Certa vez participamos de uma caravana de evangelização numa favela paulistana, próximo da estação metrô Itaquera. O guia que nos conduzia pelas vielas entre os barracos revelava uma nítida preocupação e pressa em fazer o trabalho com a turma e logo chegamos ao ponto combinado. Fomos recebidos por mulher de uns trinta anos, branca, bem magra, muito simpática e prestativa. Fez questão que todos entrassem , mesmo com a evidente falta de espaço para nos acolher confortavelmente. Ficamos todos em pé enquanto o guia cumpria as rotinas da excursão, recomendada pelo dirigente. Nunca havia entrado num barraco de favela, embora não me fosse estranho o ambiente de pobreza dos ranchos de barro e bambu onde moravam os ribeirinhos da região onde nasci, nas margens do rio Paraná ou então dos caboclos moradores dos varjões sul-matogrossenses. O barraco urbano impressionou-me pela limpeza e capricho, o perfume simples e a organização detalhada de tudo que fazia parte da decoração: as camas, o sofá, as prateleiras, os enfeites, o filtro de água, os quadros nas paredes, os tapetes sobre o piso (revestido de uma lona plástica branca grossa e brilhante). Oramos e agradecemos pela oportunidade. O guia, sempre preocupado, parecia não estar à vontade e sempre repetia para a dona da casa que as coisas iriam melhorar e que ela tivesse fé. Ela olhava sorridente para ele e apenas agradecia com gestos de concordância a gentileza da preocupação. No entanto, para nós era nítido que a anfitriã estava perfeitamente integrada à sua vida e não demonstrava nenhum tipo de contrariedade ou frustração. Estava preocupada, sim , em fazer com que nós ficássemos às vontade e realizássemos a nossa tarefa sem nenhum tipo de constrangimento. Ao contrário dela, nós e principalmente o nosso guia estávamos incomodamos com uma realidade que não era a nossa e que não aceitávamos como algo digno, como se todos ali vivêssemos em plena felicidade em nosso lares legalizados e confortáveis. Só então entendemos a finalidade dessa visita: não era mudar a realidade social e sim a nossa realidade interna. Pena que o guia, depois de tantos anos realizando aquela tarefa, ainda não havia compreendido o motivo da nossa e da presença dele naquele ambiente de carência material, porém de alta potencialidade espiritual.
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