quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Ratatouille vence o Oscar


Ratatouille é o vencedor do Oscar 2007/2008 na categoria desenho. Concorrendo com o comercial “Tá dando onda” e o cult em P&B “Persépolis”, a obra-prima de Brad Bird foi a vencedora como melhor longa metragem de animação.

Leve, inteligente e muito divertido, tanto para adultos quanto para crianças, o desenho é visto pelo público leigo sem que este perceba que se trata de uma forte mensagem espírita, subjetiva e inofensiva para os simpáticos ao assunto; e subliminar e perigosa para os adversários mais antipáticos.

O roteiro é Espiritismo puro, explícito, inspirado por entidades que conhecem as raízes históricas e as bases da filosofia espírita: fala abertamente, do começo ao fim, da intervenção dos Espíritos no mundo carnal; mostra como funciona a mediunidade, propõe a reflexão sobre as grandes questões existenciais e morais abordadas nos livros de Allan Kardec.

E, finalmente, expõe públicamente os adeptos da doutrina, os críticos, os céticos e os inimigos ideológicos. Mesmo assim, inclusive ganhando o Oscar, o filme não é assimilado dessa forma pelo grande público, nem pela crítica especializada. Continua, como os Espíritos e os ratos nos restaurantes: existem, poucos admitem abertamente, e quase ninguém quer ver.

Quem quiser explorar o filme como objeto de discussões e debates em aulas ou palestras, leia a nossa primeira resenha. http://observadorespirita.blogspot.com/2007/12/ratatouille-e-o-espiritismo.html
O texto também foi publicado na revista Universo Espírita do mês de janeiro.

À propósito, Ratatouille à nossa moda


1 Berinjela grande em fatias ou tiras finas e longas (sem o miolo)
3 Pimentões: vermelho, amarelo e verde, também em tiras
2 Cebolas médias, dividida em quatro partes
2 dentes de alho fatiados
2 Abobrinhas em tiras finas e longas, sem miolo
2 a 3 Tomates
Tempero: sal, azeite, pimenta, vinagre e vinho à gosto.
1 Linguiça calabreza picada e escaldada previamente em água quente e temperada com um pouco de vinho tinto.

Misture tudo numa assadeira e leve ao forno até secar.

Se puder, coma e beba com moderação.

Servir com vinho e pão italiano. Se sobrar, conserve na geladeira até por uma semana.

Saúde!

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Espiritismo global



Na Era da Globalização cresce admiravelmente o número de entidades espíritas especializadas: ligas, associações, confederações e alianças. Será que está havendo a expansão centros espíritas na mesma proporção?

Estamos, como manda o figurino pós-moderno, nos fragmentando, trocando o simples pelo complexo, o certo pelo incerto.

Também cresceu o número de empresas com fins lucrativos, especializadas em temática espírita e espiritualista, como as editoras e distribuidoras e suas inúmeras publicações. Tudo isso certamente implica no desenvolvimento e organização profissional dessas atividades, o que muda completamente as regras e condições de convívio, relacionamento e participação no meio social espírita. Nossa presença nas estatísticas oficiais atesta o aumento, dia-a-dia, do interesse da sociedade pelo Espiritismo. Mas será que o movimento espírita está correspondendo a essa espectativa?

O Estabelecimento do Espiritismo pelas vias instituicionais, como acontece em todas as demais áreas de conhecimento, corre o risco de afastá-lo cada vez mais da realidade e das necessidades sociais. Tudo em nome velha tradição corporativa, dos estatutos, departamentos, cargos e funções, especialistas, autoridades constituídas e competentes, enfim, o poder do stablishment aristocrata-burocrático. No passado, os estamentos do Antigo Regime, membros da nobreza e autoridades eclesiásticas. Hoje, as classes liberais do Novo Regime, bacharéis, mestres e doutores. Será que estamos no caminho certo? Se o caminho estiver certo, os meios estão eticamente relacionados aos fins, que é o Espírito da Verdade em sua plenitude?

Sabemos da importância jurídica e até da utilidade funcional das instituições, mas Deus nos livre da arrogância e da frieza e que os Bons Espíritos nos afastem da mediocridade.

Arte e Espiritismo

As pessoas não se cansam de perguntar se é possível ensinar Espiritismo nas escolas regulares, públicas e particulares. Afinal, a educação espírita funciona ou não funciona?

Pois bem, essa semana recebemos um material elaborado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, criado especialmente para obter melhores resultados nas avaliações de desempenho escolar. Para a nossa surpresa, o Espiritismo está presente, não como doutrina e didática vertical e horizontal proselitista, mas transversalmente, numa das disciplinas de ensino médio e fundamental. Na apresentação do material, os autores se explicaram de diferentes formas para justificar a escolha dos temas em suas respectivas áreas. Nas Artes, a autora Pepita Prata, bem como sua parceira crítica Gisela Líbera, justificou a escolha de temas intrigantes e provocativos, capazes de deslocar o aluno da rotina para novas possibilidades de leitura de mundo. Optou-se então pelo “sobrenatural”. Numa das atividades, ela propõe que os alunos façam, inclusive, uma entrevista com o coveiro do cemitério. Os temas são realmente intrigantes: “Assombrando e sendo assombrados”; “Assombrações do Recife Velho” e “Morto procura vivo, vivo procura morto”, tudo experimentado na realização de uma peça teatral.
Como professor de História, fiquei morrendo de inveja e também preocupado (Que pretensão!) se o professor de Artes saberia lidar com o assunto... É nessas horas que entra em cena a figura clássica do aliciador. Pelas vias da transversalidade o Espiritismo pode chegar até às pessoas, sem doutrinação, sem proselitismo. Mais detalhes no texto “Espíritos nas Escolas”: http://espiritosescolas.blogspot.com/.

Nova Era Geológica



Nova Era Geológica

O Prêmio Nobel de Química, Paul J. Crutzen, está propondo a denominação “Antropoceno” para definir uma nova era geológica planetária. A idéia têm o apoio de diversos membros de sociedades e publicações científicas especializadas. O novo período será o oitavo de uma sequência sete longas transformações ocorridas na história natural do planeta e marca, sobretudo, a intervenção humana nesse processo. Pesou nessa nova definição as profundas alterações ambientais causadas pela ação humana nos dois séculos da Revolução Industrial.

Esse reconhecimento reforça direta ou indiretamente antigas teorias sobre a evolução humana e a idéia de que o planeta é um organismo vivo (hipótese gaia) e possui a sua “anima mundi”.

Entre os antropólogos culturalistas o advento da espécie humana é ponto-chave para entender e explicar esses aspectos endógenos e exógenos do planeta , bem como sua relação com o Universo. Entre os religiosos destacou-se na década de 1950 o jesuíta Pierre Teilhard Chardin, cuja teoria do Homem Cósmico ainda é fortemente hostilizada pela Igreja criacionista.

Para os espíritas a idéia vem de encontro com a doutrina da pluralidade e categorias de mundos, bem como das leis universais proposta em O Livro dos Espíritos, publicado por Allan Kardec em 1857.

Sobre o aspecto antropológico específico, J. Herculano Pires, no famoso artigo sobre Chico Xavier (O Homem Futuro*), publicado em 1973 na revista Planeta, aponta o aparecimento de protótipos históricos, modelos humanos precursores que em diferentes épocas marcaram sua presença no planeta através de importantes revoluções científicas e morais: do Homem Biológico da pré-História ao Homem Psicológico do 3º Milênio. No artigo, Herculano definiu Chico Xavier como um autêntico protótipo do Homem-Psicológico.

Nessa perspectiva , ao nosso ver, Allan Kardec seria um legítimo protótipo do Homem Positivo em transição para o Homem Psicológico, fenômeno que ocorreu nos 14 anos da sua descoberta, reflexão, introspecção e finalmente aplicação social da filosofia espírita.

*http://www.espirito.org.br/portal/artigos/geae/o-homem-do-futuro-1.html

sábado, 16 de fevereiro de 2008

O Bom Ladrão






Machado, a Livraria Granier, Joaquim Carlos Travassos e imagens da antiga e atual rua do Ouvidor, gazeteiros no Rio , por Marc Ferrez, e fax-símile do Jornal do Commércio.




“Quem a vê agora, fechadas as portas, trancados os mostradores, à espera da justiça, do inventário e dos herdeiros, há de sentir que falta alguma coisa à rua. Com efeito, falta uma grande parte dela, e bem pode ser que não volte, se a casa não conservar a mesma tradição e o mesmo espírito”.



GARNIER, por Machado de Assis


Segunda-feira desta semana, o livreiro Garnier saiu pela primeira vez de casa para ir a outra parte que não a livraria. Revertere ad locum tuum - está escrito no alto da porta do cemitério de São João Batista. Não, murmurou ele talvez dentro do caixão mortuário, quando percebeu para onde o iam conduzindo, não é este o meu lugar; o meu lugar é na rua do Ouvidor 71, ao pé de uma carteira de trabalho, ao fundo, à esquerda; é ali que estão os meus livros, a minha correspondência, as minhas notas, toda a minha escrituração.

Durante meio século, Garnier não fez outra coisa, senão estar ali, naquele mesmo lugar, trabalhando. Já enfermo desde alguns anos, com a morte no peito, descia todos os dias de Santa Teresa para a loja, de onde regressava antes de cair a noite. Uma tarde, ao encontrá-lo na rua, quando se recolhia, andando vagaroso, com os seus pés direitos, metido em um sobretudo, perguntei-lhe por que não descansava algum tempo. Respondeu-me com outra pergunta: Pourriez-vous résister, si vous étiez forcé de ne plus faire ce que vous auriez fait pendant cinquante ans? Na véspera da morte, se estou bem informado, achando-se de pé, ainda planejou descer na manhã seguinte, para dar uma vista de olhos à livraria.

Essa livraria é uma das últimas casas da rua do Ouvidor; falo de uma rua anterior e acabada. Não cito os nomes das que se foram, porque não as conheceríeis, vós que sois mais rapazes que eu, e abristes os olhos em uma rua animada e populosa onde se vendem, ao par de belas jóias, excelentes queijos. Uma das últimas figuras desaparecidas foi o Bernardo, o perpétuo Bernardo, cujo nome achei ligado aos charutos do Duque de Caxias, que tinha fama de os fumar únicos, os quase únicos. Há casas como a Laemmert e o Jornal do Comércio, que ficaram e prosperaram, embora os fundadores se fossem; a maior parte, porém, desfizeram-se com os donos.

Garnier é das figuras derradeiras. Não aparecia muito; durante os 20 anos das nossas relações, conheci-o sempre no mesmo lugar, ao fundo da livraria, que a princípio era em outra casa, n.º 69, abaixo da rua Nova. Não pude conhecê-lo na da Quitanda, onde se estabeleceu primeiro. A carteira é que pode ser a mesma, como o banco alto onde ele repousava, às vezes, de estar em pé. Aí vivia sempre, pena na mão, diante de um grande livro, notas soltas, cartas que assinava ou lia. Com o gesto obsequioso, a fala lenta, os olhos mansos, atendia a toda gente. Gostava de conversar o seu pouco. Neste caso, quando a pessoa amiga chegava, se não era dia de mala, ou se o trabalho ia adiantado e não era urgente, tirava logo os óculos, deixando ver no centro do nariz uma depressão do longo uso deles. Depois vinham duas cadeiras. Pouco sabia da política da terra, acompanhava a de França, mas só o ouvi falar com interesse por ocasião da guerra de 1870. O francês sentiu-se francês. Não sei se tinha partido; presumo que haveria trazido da pátria, quando aqui aportou, as simpatias da classe média para com a monarquia orleanista. Não gostava do império napoleônico. Aceitou a república, e era grande admirador de Gambetta.

Daquelas conversações tranqüilas, algumas longas, estão mortos quase todos os interlocutores, Liais, Fernandes Pinheiro, Macedo, Joaquim Norberto, José de Alencar, para só indicar estes. De resto, a livraria era um ponto de conversação e de encontro. Pouco me dei com Macedo, o mais popular dos nossos autores, pela Moreninha e pelo Fantasma Branco, romance e comédia que fizeram as delícias de uma geração inteira. Com José de Alencar foi diferente; ali travamos as nossas relações literárias. Sentados os dois, em frente à rua, quantas vezes tratamos daqueles negócios de arte e poesia, de estilo e imaginação, que valem todas as canseiras deste mundo. Muitos outros iam ao mesmo ponto de palestra. Não os cito, porque teria de nomear um cemitério, e os cemitérios são tristes, não em si mesmos, ao contrário. Quando outro dia fui a enterrar o nosso velho livreiro, vi entrar no de São João Batista, já acabada a cerimônia e o trabalho, um bando de crianças que iam divertir-se. Iam alegres, como quem não pisa memórias nem saudades. As figuras sepulcrais eram, para elas, lindas bonecas de pedra; todos esses mármores faziam um mundo único, sem embargo das suas flores mofinas, ou por elas mesmas, tal é a visão dos primeiros anos. Não citemos nomes.

Nem mortos, nem vivos. Vivos há-os ainda, e dos bons, que alguma coisa se lembrarão daquela casa e do homem que a fez e perfez. Editar obras jurídicas ou escolares, não é mui difícil; a necessidade é grande, a procura certa. Garnier, que fez custosas edições dessas, foi também editor de obras literárias, o primeiro e o maior de todos. Os seus catálogos estão cheios dos nomes principais, entre os nossos homens de letras. Macedo e Alencar, que eram os mais fecundos, sem igualdade de mérito, Bernardo Guimarães, que também produziu muito nos seus últimos anos, figuram ao pé de outros, que entraram já consagrados, ou acharam naquela casa a porta da publicidade e o caminho da reputação.

Não é mister lembrar o que era essa livraria tão copiosa e tão variada, em que havia tudo, desde a teologia até à novela, o livro clássico, a composição recente, a ciência e a imaginação, a moral e a técnica. Já a achei feita; mas vi-a crescer ainda mais, por longos anos. Quem a vê agora, fechadas as portas, trancados os mostradores, à espera da justiça, do inventário e dos herdeiros, há de sentir que falta alguma coisa à rua. Com efeito, falta uma grande parte dela, e bem pode ser que não volte, se a casa não conservar a mesma tradição e o mesmo espírito.

Pessoalmente, que proveito deram a esse homem as suas labutações? O gosto do trabalho, um gosto que se transformou em pena, porque no dia em que devera libertar-se dele, não pôde mais; o instrumento da riqueza era também o do castigo. Esta é uma das misericórdias da Divina Natureza. Não importa: laboremus. Valha sequer a memória, ainda que perdida nas páginas dos dicionários biográficos. Perdure a notícia, ao menos, de alguém que neste país novo ocupou a vida inteira em criar uma indústria liberal, ganhar alguns milhares de contos de réis, para ir afinal dormir em sete palmos de uma sepultura perpétua. Perpétua!



Machado de Assis, outubro de 1893 in A Semana, Gazeta de Notícias
- W. M. Jackson Inc. – 1946. Ortografia Atualizada.



Baptiste Louis GARNIER e o Espiritismo


“O Espiritismo chegou ao Brasil pelas mãos dos jovens “doutores” brasileiros, que iam estudar na Europa, geralmente em Paris, e o domínio do francês era praticamente obrigatório para o exercício profissional dos seus títulos. Muitos franceses que residiam no Brasil também contribuíram com essa propagação. É o caso de Alexander Canu, que traduziu e publicou por conta própria O Espiritismo em sua expressão mais simples; e do educador Cassimir Lieutaud, que em 1860 publicou no Rio de Janeiro o livro Les temps sons arrivés (Os tempos são chegados), de temática essencialmente Espírita. Materialista convertido, Alex Canu era um ex-colono do Saí e Lieutaud era diretor de uma das mais conceituadas escolas particulares do Rio, arriscando sua posição social assumindo publicamente o Espiritismo. Membro de destaque do fechado grupo da colônia francesa, era freqüentador da redação do Courrier du Brésil, ponto de encontro de exilados e opositores do regime de Napoleão III e também de intelectuais fascinados pelo Velho Continente ou em busca de um “branqueamento” cultural europeu, incluindo Machado de Assis. Para o autor de Os Intelectuais e o Espiritismo, Cassimir Lieutaud, Adolph Hubert, Morin e a médium psicógrafa Madame Perret Coulard são “...os verdadeiros introdutores da doutrina de Kardec no Brasil”:

“Naquela roda de homens pragmáticos e de sonhadores, a doutrina espírita encontrou imediata receptividade. O Espiritismo não surgia apenas como uma nova opção mística, uma brecha para se entrever os arcanos misteriosos da morte: vinha, também, enlaçado às mais modernas tendências liberais. Em particular, ao socialismo. As teorias de Charles Fourrier e Pierre Leroux, prematuras no tempo de marica, encontravam receptividade entre muitos românticos brasileiros. O prestígio do segundo, sobretudo, que procurava explicar as desigualdades sociais através da pluralidade das existências, já vinha da França, aureolada pela admiração que lhe devotava George Sand. Os franceses do Brasil, que conheciam aquelas teorias, se entusiasmaram quando viram encaixadas no corpo de uma doutrina mística. Graças a esses elos de simpatia entre Espiritismo e idéias socialistas, o Courrier se tornou o primeiro ninho, em nosso país, onde se acomodaram as crenças espíritas. Em 1861, Adolph Hubert, editor do jornal, admitia sua condição de espírita: um espírita cauteloso, cartesianamente sem fanatismos.”

As primeiras obras de Allan Kardec editadas no Brasil, já na década de 1870, foram publicadas por B. L. Garnier, irmão dos famosos editores que possuíam negócios gráficos em Paris. Inicialmente as edições eram impressas na Tipografia Charles Barry, mas na França trabalhavam com os Garnier operários portugueses e brasileiros que poderiam facilitar a revisão das encomendas editoriais do Brasil. Desde 1846 ele era o editor das mais famosas publicações oferecidas na Corte: os melhores romances europeus, a Biblioteca Universal, a Revista Popular e depois o Jornal das Famílias. Este último tinha como colaboradores grandes nomes da literatura como Machado de Assis, o historiador português Alexandre Herculano e o diplomata e historiador Francisco Adolfo Varnhagen. Segundo Frédéric Mauro , B. L. Garnier era apelidado pelos escritores de “O Bom Ladrão”, brincadeira que significava ser ele um editor que cumpria suas promessas, apesar da pouca remuneração. Garnier chegou ao Brasil no dia 24 de Julho de 1844 e faleceu no Rio no final do século XIX. Sua coragem, combinada com ousadia comercial em publicar O Livro dos Espíritos, lhe custou pesadas críticas e também muita publicidade gratuita, proporcionada por cronistas incipientes que ainda desconheciam os efeitos imprevisíveis da comunicação de massa. A edição feita em 1875 foi traduzida por Joaquim Carlos Travassos, sob o pseudônimo “Fortúnio”, provavelmente por influência de Lieutaud – amigo íntimo do editor – bem como de Antonio Silva Neto e Bittencourt Sampaio, que possuíam livros editados por Garnier. Para garantir o mesmo sucesso alcançado em Paris, anunciou-se no Jornal do Commércio, no dia 14 de janeiro de 1875, o mesmo texto promocional redigido 18 anos antes pelo jornalista francês G. du Chalard, publicado no Courrier de Paris. A matéria era ao mesmo tempo cautelosa e sedutora, simpática e aparentemente neutra, modelo que não deveria ser desprezado numa sociedade tão reacionária quanto a nossa, tal qual a francesa: muito católica, mística e em busca da glória nacional.

“Imprensa – Publicou-se, traduzido por Fortunio, O Livro dos Espíritos ou Philosofia Espiritualista, de Allan Kardec, que, aliás, protesta não ser mais do que o compilador das doutrinas que lhe ensinaram os espíritos sobre a imortalidade da alma, a natureza dos mesmos espíritos e suas relações com os homens, as leis morais, a vida presentes e a futura e o porvir da humanidade (...)”


– Dalmo Duque dos Santos Nova História do Espiritismo – Dos precursores de Allan Kardec a Chico Xavier – Editora Corifeu, Rio de Janeiro, 2007.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Morte e mistério no Egito

Máscara de Tutancamon

Howard Carter a uma passo da eternidade...

Carter com Lorde Carnavon e sua filha Evelyn

Escavações no Vale dos Reis

Duas imagens de Carter junto ao sarcófago de Tut

Fotos atuais da câmara mortuária do faraó (clique para ampliar)


Na transição entre os séculos XIX e XX a arqueologia era o centro das atenções científicas do mundo ocidental. Temida e respeitada, pois servia de braço ideológico armado na luta entre a fé e a razão, o espírito e a matéria, essa ciência auxiliar da História e suas impagáveis escavações do passado trouxeram à tona as mais apaixonantes revelações sobre a experiência humana nas civilizações antigas.

Mas essa demolição de mitos também teve seus lances surpreendentes e enigmáticos a favor do paradigma espiritual , como as mortes misteriosas ocorridas na equipe de Lorde Carnavon e Howard Carter, descobridores e “violadores” da famosa câmara mortuária do faraó Tutancamon. O assunto permaneceu envolto em mistério por longos anos e até hoje é objeto de curiosidade, mesmo para quem conhece as informações do Espírito Emmanuel esclarecendo as causas do ocorrido.

Os tesouros malditos de Tut

“Poucos objetos e nenhum sinal das múmias dos faraós foram encontrados nas pirâmides. Mas a descoberta feita pelo egiptólogo Howard Carter deu uma idéia do que poderia haver nesse momumentos. Em novembro de 1922, após quinze anos de escavações no Vale dos Reis, ao sul do Cairo, Carter e seu financiador, George Edward Herbert, primeiro conde de Carnavon, abriram a entrada de uma tumba que sabiam pertencer ao faraó Tutancamon (ou Tut). Encontraram uma magnífica coleção de vasos, carruagens, tronos e jóias.

Certa apreensão acomparanharam esse triunfo. Corriam rumores de que os hieróglifos da tumba prometiam vingança contra quem a violasse. E uma cobra – os símbolo dos faraós – havia devorado um canário pertencente a Carter. Para alguns o significado era claro: uma terrível punição cairia sobre aqueles que ousassem profanar a derradeira morada do faraó. Impávidos, os exploradores prosseguiram no ano seguinte as escavações até encontrarem a Câmara com o sarcófago de Tut. Mas Lord Carnavon morrera envenenado alguns meses antes – vítima, segudo alguns , da maldição do faraó”.

Mistérios do Desconhecido – Lugares Misticos. Abril Livros


A civilização egípcia, por Emmanuel

Dentre os Espíritos degredados na Terra, os que constituíram a civilização egípcia foram os que mais se destacavam na prática do Bem e no culto da Verdade.

Aliás, importa considerar que eram eles os que menos débitos possuíam perante o tribunal da Justiça Divina. Em razão dos seus elevados patrimônios morais, guardaram no íntimo uma lembrança mais viva das experiências de sua pátria distante. Um único desejo os animava, que era trabalhar devotadamente para regressar, um dia, aos seus penates resplandecentes. Uma saudade torturante do céu foi a base de todas as suas organizações religiosas. Em nenhuma civilização da Terra o culto da morte foi tão altamente desenvolvido. Em todos os corações morava a ansiedade de voltar ao orbe distante, ao qual se sentiam presos pelos mais santos afetos. Foi por esse motivo que, representando uma das mais belas e adiantadas civilizações de todos os tempos, as expressões do antigo Egito desapareceram para sempre do plano tangível do planeta.

Depois de perpetuarem nas Pirâmides os seus avançados conhecimentos, todos os Espíritos daquela região africana regressaram à pátria sideral.

A CIÊNCIA SECRETA

Em virtude das circunstâncias mencionadas, os egípcios traziam consigo uma ciência que a evolução da época não comportava.

Aqueles grandes mestres da antigüidade foram, então, compelidos a recolher o acervo de suas tradições e de suas lembranças no ambiente reservado dos templos, mediante os mais terríveis compromissos dos iniciados nos seus mistérios. Os conhecimentos profundos ficaram circunscritos ao circulo dos mais graduados sacerdotes da época, observando-se o máximo cuidado no problema da iniciação.

A própria Grécia, que aí buscou a alma de suas concepções cheias de poesia e de beleza, através da iniciativa dos seus filhos mais eminentes,no passado longínquo, não recebeu toda a verdade das ciências misteriosas. Tanto é assim, que as iniciações no Egito se revestiam de experiências terríveis para o candidato à ciência da vida e da morte - fatos esses que, entre os gregos, eram motivo de festas inesquecíveis.

Os sábios egípcios conheciam perfeitamente a inoportunidade das grandes revelações espirituais naquela fase do progresso terrestre; chegando de um mundo de cujas lutas, na oficina do aperfeiçoamento, haviam guardado as mais vivas recordações, os sacerdotes mais eminentes conheciam o roteiro que a Humanidade terrestre teria de realizar. Aí residem os mistérios iniciáticos e a essencial importância que lhes era atribuída no ambiente dos sábios daquele tempo.

O POLITEÍSMO SIMBÓLICO

Nos círculos esotéricos, onde pontificava a palavra esclarecida dos grandes mestres de então, sabia-se da existência do Deus Único e Absoluto, Pai de todas as criaturas e Providência de todos os seres, mas os sacerdotes conheciam, igualmente, a função dos Espíritos prepostos de Jesus, na execução de todas as leis físicas e sociais da existência planetária, em virtude das suas experiências pregressas.

Desse ambiente reservado de ensinamentos ocultos, partiu, então, a idéia politeísta dos numerosos deuses, que seriam os senhores da Terra e do Céu, do Homem e da Natureza. As massas requeriam esse politeísmo simbólico, nas grandes festividades exteriores da religião.

Já os sacerdotes da época conheciam essa fraqueza das almas jovens, de todos os tempos, satisfazendo-as com as expressões esotéricas de suas lições sublimadas.

Dessa idéia de homenagear as forças invisíveis que controlam os fenômenos naturais, classificando-as para o espírito das massas, na categoria dos deuses, é que nasceu a mitologia da Grécia, ao perfume das árvores e ao som das flautas dos pastores, em contacto permanente com a Natureza.

O CULTO DA MORTE E A METEMPSICOSE

Um dos traços essenciais desse grande povo foi a preocupação insistente e constante da Morte. A sua vida era apenas um esforço para bem morrer. Seus papiros e afrescos estão cheios dos consoladores mistérios do além-túmulo.

Era natural. O grande povo dos faraós guardava a reminiscência do seu doloroso degredo na face obscura do mundo terreno. E tanto lhe doía semelhante humilhação, que, na lembrança do pretérito, criou a teoria da metempsicose, acreditando que a alma de um homem podia regressar ao corpo de um irracional, por determinação punitiva dos deuses. A metempsicose era o fruto da sua amarga impressão, a respeito do exílio penoso que lhe fora infligido no ambiente terrestre.

Inventou-se, desse modo, uma série de rituais e cerimônias para solenizar o regresso dos seus irmãos à pátria espiritual. Os mistérios de Ísis e Osíris mais não eram que símbolos das forças espirituais que presidem aos fenômenos da morte.

OS EGÍPCIOS E AS CIÊNCIAS PSÍQUICAS

As ciências psíquicas da atualidade eram familiares aos magnos sacerdotes dos templos.

O destino e a comunicação dos mortos e a pluralidade das existências e dos mundos eram para eles, problemas solucionados e conhecidos. O estudo de suas artes pictóricas positivam a veracidade destas nossas afirmações. Num grande número de frescos, apresenta-se o homem terrestre acompanhado do seu duplo espiritual. Os papiros nos falam de suas avançadas ciências nesse sentido, e, através deles, podem os egiptólogos modernos reconhecer que os iniciados sabiam da existência do corpo espiritual preexistente, que organiza o mundo das coisas e das formas. Seus conhecimentos, a respeito das energias solares com relação ao magnetismo humano, eram muito superiores aos da atualidade. Desses conhecimentos nasceram os processos de mumificação dos corpos, cujas fórmulas se perderam na indiferença e na inquietação dos outros povos.

Seus reis estavam tocados do mais alto grau de iniciação, enfeixando nas mãos todos os poderes espirituais e todos os conhecimentos sagrados. É por isso que a sua desencarnação provocava a concentração mágica de todas as vontades, no sentido de cercar-lhes o túmulo de veneração e de supremo respeito. Esse amor não se traduzia, apenas, nos atos solenes da mumificação. Também o ambiente dos túmulos era santificado por um estranho magnetismo. Os grandes diretores da raça, que faziam jus a semelhantes consagrações, eram considerados dignos de toda a paz no silêncio da morte.

Nessas saturações magnéticas, que ainda aí estão a desafiar milênios, residem as razões da tragédia amarga de Lord Carnarvon e de alguns dos seus companheiros que penetraram em primeiro lugar na câmara mortuária de Tut Ankh Amon, e ainda por isso é que, muitas vezes, nos tempos que correm, os aviadores ingleses observam o não funcionamento dos aparelhos radiofônicos, quando as suas máquinas de vôo atravessam a limitada atmosfera do vale sagrado.

AS PIRÂMIDES

A assistência carinhosa do Cristo não desamparou a marcha desse povo cheio de nobreza moral. Enviou-lhe auxiliares e mensageiros, inspirando-o nas suas realizações, que atravessaram todos os tempos provocando a admiração e o respeito da posteridade de todos os séculos. Aquelas almas exiladas, que as mais interessantes características espirituais singularizam, conheceram, em tempo, que o seu degredo na Terra atingia o fim. Impulsionados pelas forças do Alto, os círculos iniciáticos sugerem a construção das grandes pirâmides, que ficariam como a sua mensagem eterna para as futuras civilizações do orbe. Esses grandiosos monumentos teriam duas finalidades simultâneas: representariam os mais sagrados templos de estudo e iniciação, ao mesmo tempo que constituiriam, para os pósteros, um livro do passado, com as mais singulares profecias em face das obscuridades do porvir.

Levantaram-se, dessarte, as grandes construções que assombram a engenharia de todos os tempos. Todavia, não é o colosso de seus milhões de toneladas de pedra nem o esforço hercúleo do trabalho de sua justaposição o que mais empolga e impressiona a quantos contemplam esses monumentos. As pirâmides revelam os mais extraordinários conhecimentos daquele conjunto de Espíritos estudiosos das verdades da vida. A par desses conhecimentos, encontram-se ali os roteiros futuros da Humanidade terrestre. Cada medida tem a sua expressão simbólica, relativamente ao sistema cosmogônico do planeta e à sua posição no sistema solar. Ali está o meridiano ideal, que atravessa mais continentes e menos oceanos, e através do qual se pode calcular a extensão das terras habitáveis pelo homem, a distância aproximada entre o Sol e a Terra, a longitude percorrida pelo globo terrestre sobre a sua órbita no espaço de um dia, a precessão dos equinócios, bem como muitas outras conquistas científicas que somente agora vêm sendo consolidadas pela moderna astronomia.

REDENÇÃO

Depois dessa edificação extraordinária, os grandes iniciados do Egito voltam ao plano espiritual, no curso incessante dos séculos. Com o seu regresso aos mundos ditosos da Capela, vão desaparecendo os conhecimentos sagrados dos templos tebanos, que, por sua vez, os receberam dos grandes sacerdotes de Mênfis. Aos mistérios de Ísis e de Osíris, sucedem-se os de Elêusis, naturalmente transformados nas iniciações da Grécia antiga.

Em algumas centenas de anos, reuniram-se de novo, nos planos espirituais, os antigos degredados, com a sagrada bênção do Cristo, seu patrono e salvador. A maioria regressa, então, ao sistema da Capela, onde os corações se reconfortam nos sagrados reencontros das suas afeições mais santas e mais puras, mas grande número desses Espíritos, estudiosos e abnegados, conservaram-se nas hostes de Jesus, obedecendo a sagrados imperativos do sentimento e, ao seu influxo divino, muitas vezes têm reencarnado na Terra, para desempenho degenerosas e abençoadas missões.

A Caminho da Luz, ditado por Emmanuel ao médium Chico Xavier entre 17 de agosto e 31 de setembro de 1938. FEB Editora.

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Favelas do Brasil



No tempo em que as favelas ainda não eram instituição social no Brasil, nem tema de novela, o médium Chico Xavier relatou para Ramiro Gama uma explicação do Espírito Bezerra de Menezes sobre as causas espirituais do fenômeno. O texto foi enviado pelo amigo João Cabral, da Associação dos Divulgadores do Espiritismo-Sergipe. As mensagens da ADE-Sergipe sempre chegam em português, espanhol e inglês. Quem se interessar é só acessar o e-mail: jcabral1945@gmail.com

Para contextualizar o assunto, escolhemos a letra de Aldir Blanc, musicada por João Bosco, escrita na década de 1970 (consta no disco do mesmo nome) e um texto do site “Favela tem memória”
http://www.favelatemmemoria.com.br


A Favela do Esqueleto


Falávamos ao Chico Xavier sobre as favelas do Rio de Janeiro, por nós visitadas, de quando em quando, dizendo-lhe das provas cruciais a que assistimos.

As crianças criam-se ao desamparo, sofrendo toda sorte de miséria. Tornam-se adultas e trazendo na fisionomia triste e desanimada os sinais das lutas enfrentadas.

E o caro Médium esclarece-nos:

O Dr. Adolfo Bezerra de Menezes, há tempos, deu-me, com relação ao assunto, uma explicação importante e na qual devemos meditar profundamente.

Espíritos cheios de dívidas que desestimaram e ainda desestimam a bênção do tempo e o benefício das provas correcionais da pobreza e da riqueza, por ato de Misericórdia Divina, encarnam por uns 40 anos, como filhos de famílias abastadas, nos bairros de Copacabana, Leblon, Botafogo e Ipanema...

Depois voltam à Espiritualidade e são examinados. E, visto que continuam doentes, viciados, incorrigíveis, reencarnam então, por outros 40 anos, como filhos de famílias pobres e residentes nas favelas do Estado da Guanabara.

Em plena infância, ficam sem os pais. Aprendem, sozinhos, a andar os caminhos rudes, espinhosos, da cidade da miséria e do desconforto...

Sofrem moral e fisicamente. Apanham surras continuas de outros companheiros das mesmas lutas...E acabam entendendo as corrigendas amorosas de Deus.

E chegam no além, depois disto, melhorados, com algum mérito para desempenharem, mais tarde, tarefas educacionais e exemplificadoras no discipulado Cristão.

Ramiro Gama, Lindos Casos de Bezerra de Menezes

Tiro de Misericórdia 2

João Bosco & Aldir Blanc

O menino cresceu entre a ronda e a cana, correndo nos becos que nem ratazana.
Entre a punga e o afano, entre a carta e a ficha, subindo em pedreira que nem lagartixa.
Borel, Juramento, Urubu, Catacumba,nas rodas de samba, no eró da macumba.
Matriz, Querosene, Salgueiro, Turano, Mangueira, São Carlos, menino mandando.
Ídolo de poeira, marafo e farelo,um deus de bermuda e pé-de-chinelo,
Imperador dos morros, reizinho nagô, o corpo fechado por babalaôs.

Baixou oxolufã com as espadas de prata, com sua coroa de escuro e de vício.
Baixou cão-xangô com o machado de asa,com seu fogo brabo nas mãos de corisco.
Ogunhê se plantou pelas encruzilhadas, com todos seus ferros, com lança e enxada.
E oxossi com seu arco e flecha e seus galos, e suas abelhas na beira da mata.
E oxum trouxe pedra e água da cachoeira,em seu coração de espinhos dourados.
Iemanjá, o alumínio, as sereias do mar e um batalhão de mil afogados.

Iansã trouxe as almas e os vendavais, adagas e ventos, trovões e punhais.
Oxum-maré largou suas cobras no chão, soltou sua trança, quebrou o arco-íris.
Omulu trouxe o chumbo e o chocalho de guizos, lançando a doença pra seus inimigos.
E nana-buruquê trouxe a chuva e a vassoura, pra terra dos corpos, pro sangue dos mortos.

Exus na capa da noite soltaram a gargalhada e avisaram a cilada pros orixás.
Exus, orixás, menino, lutaram como puderam,mas era muita matraca e pouco berro.
E lá no horto maldito, no chão do pendura-saia, Zumbi-menino Lumumba tomba da raia
Mandando bala pra baixo contra as falanges do mal, arcanjos velhos, coveiros do carnaval.

Irmãos, irmãs, irmãozinhos, por que me abandonaram?
Por que nos abandonamos em cada cruz?
Irmãos, irmãs, irmãozinhos,nem tudo está consumado.
A minha morte é só uma: Ganga, Lumumba, Lorca, Jesus

Grampearam o menino do corpo fechado e barbarizaram com mais de cem tiros.
Treze anos de vida sem misericórdia e a misericórdia no último tiro.
Morreu como um cachorro e gritou feito um porco, depois de pular igual a macaco.
Vou jogar nesses três que nem ele morreu:num jogo cercado pelos sete lados.



Catacumba, Praia do Pinto e Esqueleto

Marcelo Monteiro


Quem passa hoje pelo Parque da Catacumba, na Lagoa, pela Selva de Pedra, no Leblon, ou pela Uerj, na Tijuca, não encontra qualquer sinal que existiam nestes locais, há pouco mais de trinta anos, três das maiores favelas do Rio de Janeiro: a Catacumba, a Praia do Pinto e o Esqueleto, respectivamente. As três comunidades foram destruídas durante a febre remocionista dos anos 60 e seus moradores transferidos para conjuntos habitacionais no subúrbio ou na Zona Oeste carioca. De 1968 até 75, pelo menos 50 mil famílias carentes foram obrigadas a deixar suas casas. “No começo eu não acreditei, achava que era mentira, mas logo depois começaram os cadastramentos. Foi tudo muito rápido”, lembra o aposentado Ismael Silva, criado na Favela da Catacumba, na Lagoa, e há trinta anos morador de Brás de Pina.

De todas as favelas extintas nos anos 60, o caso mais polêmico foi a da Praia do Pinto, no Leblon. Os moradores souberam dos planos da Prefeitura de acabar com a comunidade ainda na década de 50, mas houve forte resistência. Segundo dados do Censo de Favelas de 1949, pelo menos 20 mil pessoas moravam no local. A remoção só foi concluída após um incêndio, em 1969, durante o mandato do governador Negrão de Lima. “Muitas pessoas não queriam sair. Apesar dos problemas, preferiam continuar morando na Zona Sul. O incêndio obrigou todo mundo a ir embora”, afirma Maria Rosa de Souza Noronha, de 62 anos, ex-moradora da Praia do Pinto, depois removida para o Complexo da Maré.

Praticamente todos os barracos da Praia do Pinto foram destruídos pelo fogo. No dia seguinte, policiais colocaram abaixo as poucas casas que sobraram de pé. Até hoje ninguém confirma se foi acidente ou uma última tentativa do Governo de expulsar os moradores. Mas todos os indícios apontam para um remoção forçada.

A ex-governadora do Rio e atual ministra da Ação e Promoção Social, Benedita da Silva, nasceu na Praia do Pinto e morou lá até sua família se mudar para o Morro do Chapéu Mangueira, no Leme, anos antes do incêndio derradeiro. Na época, a Praia do Pinto era a maior favela horizontal do Rio e recebia a visita constante de moradores da Zona Sul, entre eles, o 'poetinha' Vinícius de Moraes, que, segundo relatos, teve a idéia de escrever a peça 'Orfeu da Conceição' durante um baile na favela. Sobre a sensualidade dos negros, Vinícius teria dito: “Eles parecem gregos. Gregos antes da cultura grega”.

Outra comunidade de grandes proporções extinta nos anos 60 foi a Favela do Esqueleto, na Tijuca, que chegou a ter quase quatro mil barracos e cerca de 12 mil habitantes. Os primeiros moradores se fixaram no local ainda na década de 50. As casas foram erguidas com restos do que seria o Hospital das Clínicas da Universidade do Brasil. A construção, no entanto, foi interrompida e nunca mais retomada. “Todo o processo de remoção foi conduzido com muita rapidez. As famílias cadastradas eram levadas para os conjuntos habitacionais e os barracos iam sendo derrubados. Achei tudo muito rápido, mas não houve desrespeito”, lembra Dilmo Emídio Ferreira, ex-morador da Favela do Esqueleto, destruída para a construção da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e de um trecho da Avenida Radial Oeste.

Os últimos 495 barracos da Favela do Esqueleto foram demolidos em 1965. Os ex-moradores acreditam até hoje que a ação teve fins políticos. “Foi uma jogada do Lacerda porque ele queria se eleger presidente. Minha família foi toda para a Vila Kennedy”, conta Dilmo, que preferiu ficar na Mangueira por causa do samba. Pouco mais de quatro décadas após a remoção, ele lembra com saudade dos amigos que se espalharam pela cidade. “Muitas pessoas eu nunca mais encontrei. Naquela época, o tráfico ainda estava no começo, tinha o malandro, o jogo de roda, mas ninguém na favela conhecia a cocaína. O clima era muito tranqüilo”, conta.

Catacumba: extinta em 1970

Localizada na divisa entre Ipanema e Copacabana, numa área estratégica e de alto valor imobiliário, a Favela da Catacumba foi extinta em 1970. Com vista privilegiada para a Lagoa Rodrigo de Freitas, a comunidade tinha 2.320 barracos e cerca de 15 mil habitantes. Adetrudes Justino de Souza, o Seu Souza, de 72 anos, foi presidente da associação de moradores local e auxiliou o Estado no processo de cadastramento das famílias que seriam removidas. Trinta e três anos depois, ele ainda comemora a conquista do título de propriedade mas discorda de como o processo foi conduzido. “Foi tudo muito rápido, as pessoas tinham que ser preparadas. Elas foram jogadas para os conjuntos habitacionais”, afirma Seu Souza, que morou 23 anos na Catacumba.

Apesar da distância do Centro, da separação forçada dos vizinhos, e da forma muitas vezes arbitrária com que o Governo conduziu as remoções, para alguns ex-moradores das favelas extintas a mudança teve também seus pontos positivos. Entre prós e contras, eles destacam a conquista dos títulos de propriedade e de sistemas mínimos de infra-estrutura, como água encanada e esgoto. “Essa foi a parte boa. Mas, na verdade, não tivemos escolha”, diz Ismael, que demorou a se acostumar com a distância dos amigos. "Se fizessem um Favela-Bairro na Catacumba, eu voltava para lá correndo", resume.

Favela tem memória - 25/03/2003