quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Por que Rousseau chorou sob a árvore?

A maioria das biografias de Jean-Jacques Rousseau nunca deixam de lembrar que o grande filósofo suíço, antes de tornar-se conhecido pelas suas ideias revolucionárias, viveu experiências pessoais intrigantes que, de certa forma, explicam sua genialidade e o enorme vácuo existente entre seu pensamento e a ordem social do seu tempo. Rousseau nunca se adaptou ao mundo restrito dos burgos do século XVIII, ainda cercado por muros e regras medievais. Gostava da vida natural, dos bosques e sempre tinha problemas quando retornava ao convívio da urbis. Era nessas fugas que saneava suas tormentas íntimas e encontrava paz de espírito para desenhar suas utopias. Numa delas Rousseau decide vagar pelo velho continente, como já fizera inúmeras vezes, desde a juventude, e cumprir sua conhecida missão e propósito de clarificação das mentes. Antes, desfaz a família, instável e incerta, põe os filhos num orfanato e parte para mundo. Angustiado pelos erros e remorsos, caminha sem rumo definido numa pequena estrada entre Paris e um vilarejo dos seus arredores. A paisagem silenciosa e bucólica convidam-no ao descanso. Dorme sob a sombra de uma árvore e ali permanece durante alguns minutos até cair em sono profundo, como tivesse sido arrebatado para um universo desconhecido. Não era a primeira vez. Quando desperta, Rousseau já não é mais o mesmo. Sua fisionomia não lembra mais o jovem rebelde que fugia do burgo e era repreendido pelo mestre ao deparar-se com a portas trancadas. Era agora o adulto ciente das causas e efeitos das suas ações. De repente é tomado por uma emoção muito forte que oprime seu peito e alguns segundo depois explode em lágrimas. Também não era a primeira vez que isso ocorria. Rousseau chora como se fosse uma criança que se despede dos pais e de casa para nunca mais voltar. O rápido sono havia matado o jovem Rousseau e despertado nele o homem que iria subverter a ordem do mundo, pela convicção profunda da liberdade e do desimpedimento. A partir daquele instante o mundo também nunca mais seria o mesmo. O sono e as lágrimas do filósofo sob a árvore havia provocado um parto de ideias que mudariam definitivamente a ideia do que é ser humano e do conviver em sociedade. As lágrimas e sua libertação pessoal seriam também o alto preço pago pela autonomia do Homem e a futura auto-determinação dos povos e nações que hoje desfrutamos. Era o advento da luz sobre as trevas, mais uma vez, não como uma revelação místico-religiosa, mas como consciência e consequência política irreversíveis. Com Rousseau, a experiência grega e romana de cidadania, bem como a ideia da predestinação judaico-cristã, adquirem dimensões mais amplas. Nasce ali, com maior propriedade filosófica a ideia o direito de ser livre, naturalmente livre, sem o lastro das culturas, da dependência pessoal ou obrigação dogmática. Os adultos agora deveriam ser livres, como é livre o espírito da criança, e nunca deveriam se submeter ao medo que os fracos sempre tiveram diante dos fortes. Ali havia sido descoberta e anunciada uma outra força, ou melhor ainda: um outro de tipo de força, a força da liberdade. Rousseau acordou, chorou e ressurgiu em si sob a árvore da Natureza. Desde aquela tarde, de três séculos atrás, o mundo se tornou Rousseau. E todos nós continuamos a ser a imagem e a semelhança intelectual desse filósofo, até que surja um novo tempo, até que nasça um outro Rousseau.

Ps. Agradeço a colaboração do amigo e professor Alcebiades, pelo envio do texto de Marilena Chaui sobre Roousseau.

domingo, 25 de outubro de 2015

CURSOS PARA MÉDIUNS

A educação eficiente e eficaz dos médiuns depende de três fatores básicos:A instrução por pessoas experientes no assunto, (sem vícios, manias e exibicionismos intelectuais com imposição de leituras cansativas-improdutivas); 

Um programa realmente prático (duas a três horas semanais e de no máximo dois anos), mesclado por ensinamentos morais e teóricos realmente esclarecedores;

E finalmente e imprescindível um campo prático de aplicação durante o curso, demonstrando nos trabalhos como funciona o exercício mediúnicos.

Ps. Fora desse desse padrão,observado historicamente no trabalho de instrutores experientes e instituições consagradas, a formação e desenvolvimentos dos médiuns ocorre de forma espontânea e muitas vezes traumática, bem em conflito desnecessário com lideranças que mais atrapalham do que ajudam para que as casas espíritas tenham bons servidores.

quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Edgard Armond, a FEESP e a filiação da Umbanda ao Espiritismo

Hora de entendimento

Edgard Armond - Diário de Notícias, 24 de abril de 1942, n. 9348

Estabelecido com clareza, como tem sido pela imprensa, rádio e tribuna, nosso ponto de vista de que Umbanda não é Espiritismo, convindo por isso marcar-se limites entre uma coisa e outra, julgamos agora que se tornaria útil e, mesmo, aconselhável a realização de um entendimento fraterno, honesto e sincero no sentido de ou filiar a Umbanda ao Espiritismo ou, contrariamente, oficializar essa delimitação.

Para isso sugerimos alternativas:

1) A Umbanda se comprometeria a rever sua ideologia em certos pontos; alteraria suas práticas, suprimindo certos ritos e exterioridades ridículas e materializadas como, por exemplo, as danças, o fumo, as bebidas etc. e, como finalidade principal adotaria não a satisfação de interesses pessoais, mas a reforma íntima, a elevação moral dos adeptos, que é imperativo fundamental do Espiritismo. 

Ou: 2) Não concordaria com essas modificações e continuaria como está. No primeiro caso poderia ela ser filiada ao Espiritismo, como um degrau preparatório, de adaptação, para futuros avanços no entendimento espiritual; e no segundo, se comprometeria a não se utilizar do nome do Espiritismo na fachada de suas instituições e de seus cultos como abusivamente, vem acontecendo.

Em qualquer dos casos, entretanto, seriam feitas declarações públicas recíprocas, pelos órgãos representativos próprios, visando o esclarecimento do povo interessado.

Este entendimento serviria não só para definir claramente as respectivas posições e limites de atividades de cada uma das correntes, como também evitaria a necessidade que tem as entidades espíritas de estarem periodicamente fazendo publicações a respeito e colocando a verdade em seu devido lugar. Pelo item no 1 Umbanda ganharia uma estabilidade doutrinária que não possui e veria no esforço que o Espiritismo desenvolve de redenção da humanidade. Por outro lado ingressaria, com dignidade, no rol das correntes espiritualistas nacionais e romperia as amarras que a prendem às correntes inferiores, de baixa expressão espiritual, retardadoras da evolução.

Quanto a esta Federação, que é a casa espírita que iniciou a atual campanha de esclarecimento do povo, certamente estará ela pronta a realizar estudos a respeito com órgãos representativos
da Umbanda em nosso Estado ou no País, devidamente credenciados.


(Transcrito do O Semeador de março de 1953).

Carta inédita de Rivail para Amélie




Lyon, 20 de setembro de 1861.

Minha querida Amélie:

Escrevo-lhe de novo sob a impressão da emoção da jornada de ontem; são esses eventos que deixam marcas inesquecíveis na vida. Como lhe dizia, era o dia do banquete: havia mais de 160 pessoas, das quais muitas vieram me cumprimentar e abraçar; outras conseguiram falar comigo, e creio que estavam tão felizes como se houvessem falado com um rei; um pouco mais e teria alguém que tivesse ousado beijar a barra do meu casaco, tão grande era o seu entusiasmo.

Ponho-me a pensar se os discursos foram expressivos. O meu produziu uma sensação profunda, assim como o de Erasto, que todos aplaudiram e apreciaram com justiça!

(Fui forçado a interromper a minha carta e somente pude retomá-la hoje, sábado.)

Voltando ao banquete, era algo admirável e, ao mesmo tempo, comovedor: o delegado de Polícia, que ali fora convidado, chorou de emoção e apertou minhas mãos com efusão. Após os meus discursos, falei abundantemente durante quase três quartos de hora, sem preparativos, sem uma intenção premeditada e sem sentir-me – no mais mínimo – intimidado perante essa numerosa assembleia, formada também por uma assistência que veio especialmente de Mâcon e de outros lugares.

Ontem, sexta-feira, visitei Grupos em diferentes pontos da cidade, distantes uns dos outros em mais de uma légua; lá aconteceu a mesma acolhida, o mesmo entusiasmo. Falei desde as 10 e meia da manhã até as 9 horas da noite, excetuando a interrupção dos trajetos; voltei extenuado.

Esta manhã fui tomar um banho, o que me fez muito bem. Esta noite vou a outra reunião, porém, mais aristocrática, onde ainda terei muitas coisas a dizer.

Já não são mais por centenas que se contam os espíritas em Lyon, senão por milhares. Em toda parte há médiuns, e entre os que tenho visto existem muito bons. Em um dos Grupos encontrei um guarda municipal que é muito bom médium e muito bom espírita. Depois tinha um ferreiro, de grande constituição física, igualmente muito bom médium: homem sério, inteligente e que, entre os seus, inspira a numerosos adeptos; ele é o chefe de um Grupo em Vaise, e como eu não pude ir lá, ele veio cá – com vários confrades seus – a uma das reuniões na cidade. Em resumo, encontro aqui um progresso que estava longe de esperar e, o que há de particular, é que por todas partes se dedicam ao Espiritismo do ponto de vista sério. Todas as vezes que abordei o tema das experiências físicas, notei que isto interessava pouco; mas todos prestavam atenção quando eram tratadas as consequências morais e filosóficas. Minha viagem terá indiscutivelmente uma imensa repercussão e fará um grande bem, inclusive perante as autoridades. Só o partido negro pode estar horrivelmente contrariado!

Estive ocupado de tal modo que não tive tempo para visitar os meus conhecidos. Tinha a intenção de partir amanhã, domingo, mas como desejo ver ao Sr. e à Sra. Rigolet, irei à sua casa de campo, o que transfere minha partida para a segunda-feira. Chegarei a Paris na terça-feira ao meio-dia.

Teu muito amado,

HLDR.