sábado, 30 de maio de 2009

Sair da vida para entrar na história

Getúlio Vargas (1882-1954): o Brasil como missão e o suicídio como prova. Arquivo revista O Cruzeiro.


Esta semana o suicídio do ex-presidente sul coreano Roh Moo-hyun chocou a opinião pública e ao mesmo comoveu as massas do seu país. Roh tinha 62 anos e se jogou de um penhasco na sua cidade natal após deixar um extenso pedido de desculpas pelo seu envolvimento com a corrupção.

Na cultura ocidental o suicídio é sempre sinônimo covardia, de fracasso e rebeldia contra as leis de Deus. No Oriente , ao contrário, é prova de coragem, vitória espiritual e oportunidade para se redimir dos erros. Nesse caso, a combinação de suicídio com política assume um caráter dramático, de grande repercussão social. Getúlio Vargas, em 1954, passou pela mesma experiência: atolado num escândalo de abuso de autoridade, o velho estadista não resistiu às pressões e meteu uma bala no peito. Deixou uma carta-testamento que é considerado um dos mais fascinantes documentos da nossa história republicana.

Vargas era depressivo e tinha tendência suicida desde a junventude. Absorveu essa marca auto-destrutiva através da influência de líderes caudilhos do sul e escritores românticos que usaram o suicídio como forma de causar comoção pública: “deixo a vida para entrar na história...” escreveu no final da sua derradeira carta-denúncia. E conseguiu. Sair de cena como herói num gesto considerado criminoso pela mentalidade cristã é realmente uma habilidade dramática.

Mas a história da qual Vargas estava falando não ficaria restrita às páginas dos jornais, livros e enciclopédias. Durante muitos anos os espíritas ficaram curiosos sobre as repercussões do suicídio do presidente no mundo espiritual. Mais ainda: o que teria acontecido antes de consumar a tragédia?

Suicídios não são apenas gestos sociais graves. A interrupção da existência corpórea desencadeia desequilíbrios em vários aspectos e qualquer um sofre as conseqüências negativas dessa escolha. Já lemos vários textos de origem mediúnica informando que Vargas tinha grandes responsabilidades coletivas e no íntimo sabia que iria passar pela difícil prova dos suicidas. Algumas delas afirmam que o presidente brasileiro teve naquela noite fatídica – durante o sono – um encontro com o Espírito Ismael e este tentou mostrá-lo que a renúncia do mandato seria a melhor decisão naquele momento complexo. Trechos da carta-testamento na verdade seriam idéias do diálogo entre ele o Espírito-Protetor do Brasil, mostrando que seu gesto de humildade era um sacrifício pelo povo brasileiro. Vargas sucumbiu ao orgulho e – mesmo comovido pelas considerações de Ismael – resolveu ceder à tentação do suicídio heróico. As informações mediúnicas também afirmam que antes de encarnar Vargas havia traçado planos de grandes reformas para o Brasil e teve apoio da Espiritualidade para executá-los. Esse apoio foi sendo retirado a partir do momento em que seu governo enveredou para a corrupção e a truculência. Sua última experiência como líder democrático foi um esforço para se redimir dos excessos do Estado Novo, porém teve também que enfrentar as severas cobranças dos antigos adversários , daquela e de outras épocas. Vargas era descendente de açorianos e suas existências anteriores devem ter sido realizadas em Portugal.

Tudo isso mexe muito com a nossa imaginação e nos perguntamos: será que um dia Vargas vai voltar? Que missão lhe reserva o futuro?

A Carta-Testamento

Arquivo: CPDOC -FGV


"Mais uma vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.

Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.

Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.

Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.

E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História."


Rio de Janeiro, 23/08/54 - Getúlio Vargas

terça-feira, 19 de maio de 2009

Então, o que vos parece?


A pergunta do título foi feita por Santo Agostinho aos presentes numa reunião da Sociedade Espírita de Paris. O Espírito Voltaire terminara a sua dissertação demonstrando que a mudança do ponto de vista é o começo da mudança dos sentimentos, a principal causa do preconceito. Quem diria que Voltaire pudesse mudar de opinião sobre seus exageros e intolerâncias quando encarnado? O episódio foi registrado por Kardec na Revista Espírita.

Escolhemos o exemplo para tocar num assunto atual, polêmico e extremamente importante para compreender a pluralidade e a diversidade cultural que vai marcar as próximas décadas do nosso século. Escolhemos essas duas imagens fortes e artísticas do conhecido fotógrafo italiano Oliviero Toscani, cujo estilo provocador nos leva sempre à reflexão sobre os nossos limites de aceitação e coragem. Depois dos embates históricos da emancipação feminina, este certamente será próximo grande desafio ético da Humanidade. O que será que o futuro nos reserva?

Anos atrás escrevemos um artigo sobre o assunto, comentando as preferências religiosas dos participantes da 9ª Parada Gay de São Paulo em 2005, hoje muito utilizado em fóruns de debate na internet. Muitos outros articulistas vêm se esforçando muito para clarificar o assunto para a opinião pública à luz do Espiritismo. Em 1971 Chico Xavier foi questionado publicamente sobre isso no programa Pinga Fogo, da antiga TV Tupi, e recebeu de Emmanuel um cuidadoso comentário aventando a necessidade de contínuos estudos para melhor compreensão do problema. Era uma época libertária, mas alguns assuntos teriam ainda que esperar algumas décadas para sair da obscuridade e da lista dos tabus.

Mas o nosso interesse pessoal pelo tema é mais antigo. Quando tínhamos quatro ou cinco anos de idade vimos nossa mãe chorando na varanda de casa ao receber a notícia da tentativa de suicídio de um tio, irmão mais velho dela. Ele havia usado um velho revólver do nosso avô para tirar a própria vida, disparando contra o ouvido. Não conseguiu e durante anos a bala ficou alojada no maxilar, obrigando-o a mastigar lentamente durante as refeições. Anos depois desencarnou vítima de complicações cardíacas. No mesmo dia soubemos que o seu companheiro também havia falecido. Naquela altura já podíamos entender boa parte de tudo que se passara e sobretudo compreender os por quês daquela amargura constante, o perfeccionismo, a agressividade e todos os problemas decorrentes do preconceito e da própria auto-rejeição que lhe marcaram a curta existência. Em todos os lugares por onde passamos, incluindo nos trabalhos espíritas e assistenciais, os homossexuais sempre se aproximaram de nossa mãe, mesmo aqueles que contavam com a compreensão da família. Ficávamos curiosos por essa atração e logo ela nos explicava lembrando da sua tolerância natural, por causa de tudo o que havia acontecido com o nosso tio.

Esta semana lemos uma nota no jornal que dizia que uma juíza paulista havia reconhecido a união formal de um casal homossexual numa pequena cidade do interior. O fato aconteceu em nossa cidade de origem. O caso é de duas companheiras que escolheram a cidade para viver e, depois de dez anos, resolveram legalizar o relacionamento. Levamos o jornal para nossa mãe e ela simplesmente comentou: “Essa cidade sempre foi pioneira nesses assuntos polêmicos e também nas idéias avançadas, apesar do conservadorismo dos forasteiros. O outro avô de vocês (paterno), sempre foi olhado com desconfiança e muitas vezes ouvi comentários maldosos sobre suas atividades pioneiras no Espiritismo. Ela lembrou-se de muitos outros casos de preconceitos sociais que permaneceram anônimos durante anos ( e ainda permanecem) , mas no fundo estava se lembrando do nosso tio, cuja prova não suportou como todos esperavam que suportasse. Não pudemos conter o impulso, resolvemos escrever e enviar para os amigos um comentário, seguido da nota e da notícia sobre a decisão da juíza, publicada pela Agência Estado.

E finalmente, lembramo-nos também do Espiritismo, cujo movimento tem sido uma verdadeiro oásis para acolher toda sorte de incompreendidos, muitos deles hoje mais tranqüilos e conscientes da sua condição conflituosa e muito atuantes nas suas obrigações morais e doutrinárias. Lembramos também da opinião ingênua (ou seria sínica?) de um dirigente espírita que conhecemos, que afirmava que alguns dos nossos mais destacados médiuns já havia sublimado a sexualidade... E nós rebatíamos: “Sim, é possível, mas antes disso são realmente homossexuais, lutando digna e arduamente para evoluir e superar suas difíceis provas pessoais”.


Oliviero Toscani (Milão, 28 de fevereiro de 1942) é um fotógrafo italiano, que inventou campanhas publicitárias polêmicas para a marca italiana Benetton durante os anos 90. A maioria de suas campanhas é institucional, propagandas de marca e não de produto, normalmente composta apenas por uma fotografia polêmica e o logo da companhia. Uma de suas campanhas mais famosas inclui um homem morrendo de AIDS (SIDA), chorando em uma cama de hospital, rodeado por seus parentes. Outras incluem alusões ao racismo (uma muito notável mostra três corações humanos quase idênticos com as palavras branco, preto e amarelo como legenda), a guerra e a religião. No começo dos anos 90 Toscani fundou, juntamente com o designer gráfico estadunidense Tibor Kalman, a revista Colors. O slogan era "uma revista sobre o resto do mundo". Toscani também lançou um livro chamado "A públicidade é um cadáver que nos sorri", no livro o fotógrafo conta suas experiências e fala sobre ética publicitária.

Fonte: Wikipédia