Fomos buscar em “Memórias de um
suicida” respostas para algumas interrogações, dúvidas essas que já haviam sido
positivamente instigadas pelas palavras de um companheiro na abertura da
reunião de uma conhecida instituição de prevenção do suicídio, hoje areligiosa,
sobre o contato histórico que seus fundadores e colaboradores tiveram com Yvone Pereira em 1972. O livro de Camilo Castelo Branco
(capítulo III - "Homem, conhece-te a ti mesmo" ) não dá indicações
diretas sobre onde fica Esperança,
mas insinua veladamente sua localização, que tem tudo a ver com as nossas obras
no vale do Paraíba, região onde a espiritualidade marianista é intensa tanto no
universo católico como entre os espiritualistas.
Quem ali temporariamente estaciona, como eu estacionei, são grandes
vultos do crime! É a escória do mundo espiritual - falanges de suicidas que
periodicamente para seus canais afluem levadas pelo turbilhão das desgraças em
que se enredaram, a se despojarem das forças vitais que se encontram, geralmente
intactas, revestindo-lhes os envoltórios físico-espirituais, por seqüências
sacrílegas do suicídio, e provindas, preferentemente, de Portugal, da Espanha, do Brasil e colônias portuguesas da África, infelizes
carentes do auxílio confortativo da prece; aqueles, levianos e inconseqüentes, que,
fartos da vida que não quiseram compreender, se aventuraram ao Desconhecido, em
procura do Olvido, pelos despenhadeiros da Morte!
Não sei como decorrerão os
trabalhos correcionais para suicidas nos demais núcleos ou colônias espirituais
destinadas aos mesmos fins e que
se desdobrarão sob céus portugueses, espanhóis e seus derivados. Sei apenas é
que fiz parte de sinistra falange detida, por efeito natural e lógico, nessa
paragem horrenda cuja lembrança ainda hoje me repugna à sensibilidade.
Ele também dá indicação não
somente das razões dos nossos compromissos, mas também das raízes do
conhecimento empregado para nos preparar para essas tarefas. Reparem o
currículo da escola que ele frequentou ao sair do Vale Sinistro.
A CIDADE ESPERANÇA E SUA
LOCALIZAÇÃO
Encantados, eu, Belarmino, João e mais os amigos brasileiros Raul e
Amadeu, que se haviam incluído em o nosso antigo grupo, mal chegáramos ao Burgo da Esperança, logo nos
sentimos atraídos para o novo monitor, e ansiosos pelas lições que se
seguiriam. E supúnhamos que idênticas impressões animavam os demais colegas,
porque percebíamos sorrisos de satisfação e lidimo interesse esvoaçarem pela
assistência.
Entretanto, o aprendizado científico seguiu curso normal, alternando-se
com o que vínhamos antes recebendo e mais os conhecimentos práticos através das
aulas do eminente Souria-Omar.
Assim foi que o respeitável ancião ministrou-nos o encantamento de
presenciarmos o nascimento e progressão, lenta e esplendente, do próprio Globo
Terrestre! O que superficialmente conhecíamos (permitam-me que assim me
expresse ante a magnificência do que, então, me foi concedido apreciar) através
dos códigos de Ciência terrestre, isto é, da Geologia, da Arqueologia, da Geografia,
da Topografia, o ilustre instrutor levantou da dobagem dos milênios para nos
ofertar como o presente descrito em cenas vivas, em atividades reais, como se
houvéramos participado, com efeito, do nascimento e crescimento da generosa
estância do sistema solar que um dia nos abrigaria, protegendo nossa ascensão
para o Infinito, auxiliando-nos no aperfeiçoamento do germe divino que em nós
outros, Homens, como nela própria, também palpita! Tudo presenciamos: a
centelha em ebulição, as trevas do caos, os aguaceiros e dilúvios
aterrorizantes, os grandes cataclismos para a formação dos oceanos e rios, o
maravilhoso advento dos continentes como o nascimento das montanhas majestosas,
cadeias graníticas eternas como o próprio globo, tão conhecidas e amadas por aqueles
que na Terra têm feito ciclo de progresso: os Alpes sombranceiros quais
monarcas poderosos desafiando as idades, os Pirineus graciosos, o Himalaia e o
Tibet venerandos, a Mantiqueira*
sombria e majestosa, todos, em épocas diversas, surgiram do berço
diante de nossos olhos deslumbrados, arrancando lágrimas de nossas almas, que
se prosternavam, tímidas ante tanta grandeza, tanta beleza e majestade! Mas,
antes disso, em prosseguimento feérico de maravilhas, a luta dos elementos
furiosos para o crescimento do pequeno continente do céu, o oceano conflagrado
em convulsões pavorosas, sacudindo o seio nascente do mundo imerso em solidão,
o cataclismo dos ventos e tempestades a que nada poderá fornecer ao homem idéia
aproximada... assim como os primeiros sinais de movimento e vida no leito
imenso das águas convulsas, a vegetação, fabulosa e tétrica, no gigantesco
volume das proporções... os dinossauros monstruosos, os lagartos de forma e
força inconcebíveis à delicadeza corporal do
Homem, os mastodontes, a Pré-História! Era um livro tenebroso, imenso,
magnífico, Epopéia Divina da Criação, desferindo alguns poucos acordes da sua
Imortal Sinfonia através do Infinito do Tempo, da Eternidade das Coisas! E
nesse livro soletrávamos o a b c da Iniciação, gradativamente, pacientemente,
às vezes empolgados até ao delírio; de outras, banhados em lágrimas até ao
temor, mas sempre ávidos e encantados, ansiosos por mais conhecimentos,
lamentando mais do que nunca nossas diminutas forças de suicidas, que nem a
terça parte nos permitia entrever do programa excelso ofertado pela Natureza!
*Palavra de origem
tupi, não utilizada em Portugal, e que significa gota de chuva. Ao nosso ver
trata-se da Serra da Mantiqueira.
O CURRÍCULO DA ESCOLA
De todos os conhecimentos que gradativamente adquiríamos, cumpria-nos
apresentar pontos construídos por nós próprios, criar exemplos em teses que
muito honrariam os institutos terrenos, caso quisessem adotar os mesmos ensinos
para esclarecimento e moralização de seus alunos; extrair análises, tudo o que
viesse provar nosso aproveitamento na iniciação do psiquismo. Forneciam-nos
para tanto álbuns belíssimos, cadernos e livros lucilantes quais flocos de
estrelas, e até aparelhos melindrosos, aos quais nos ensinavam acionar, para
que também aprendêssemos a projetar para outrem as exemplificações que
criávamos, ou mesmo as análises extraídas dos exemplos fornecidos pelos mestres
durante as aulas práticas na Terra ou em outra localidade de nossa Colônia. Daí
a criação de minhas novelas e a ansiedade de ditar obras aos médiuns, pois,
durante as aulas práticas existia permissão para fazê-lo, sempre que um e outro
trabalho por nós composto conseguisse aprovação dos maiorais; daí nosso
sacrifício de tentarmos, durante cerca de trinta anos, escrever algo, que a um
só tempo testemunhasse a Deus nosso reconhecimento pelo muito que Sua
Misericórdia nos permitia e o desejo de relatar aos nossos irmãos de
infortúnio, encarcerados nas dores terrenas, o que o Além lhes reservava. Para
tal cometimento não haveria necessidade de sermos escritores, porque o
aprendizado com nossos mentores nos educava o sentimento, equilibrando-nos o
raciocínio de molde a conseguirmos servir à Verdade que nos rodeava!
Muita aplicação e devotamento exigiam esses estudos transcendentes, porquanto
eram vastíssimos os campos de observação, como grandiosos os motivos
diariamente deparados. Convém enumerar as palpitantes matérias estudadas e
auscultadas por nós outros até onde nos permitiram as forças mentais que
possuíamos:
- Gênese planetária ou Cosmogonia - Pré-História - A evolução do ser -
Imortalidade da alma - A tríplice natureza humana - As faculdades da alma - A
lei das vidas sucessivas em corpos carnais terrenos, ou reencarnação - Medicina
Psíquica - Magnetismo - Noções de
magnetismo transcendental - Moral Cristã - Psicologia - Civilizações terrenas
Alternados com as aulas de Evangelho, tais estudos apresentavam
correlação íntima com aquelas, o que nos impelia a melhor compreender e venerar
a sublime personalidade de Jesus Nazareno, ao qual passamos a distinguir, tal
como faziam nossos instrutores, como o chefe supremo da Iniciação, pois, com
efeito, em todos os compêndios que consultávamos, buscando elucidação na
Ciência, deparávamos lições, claros ensinamentos, atos e exemplos daquele
Grande Mestre, como padrão máximo de sabedoria e verdade, modelos
irresistíveis, bússolas que nos convidavam a seguir para atingirmos a
finalidade sem os desvios oriundos do engodo e das falsas interpretações.
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