segunda-feira, 27 de julho de 2020

SUCÍDIO E CRIMINOLOGIA






“A pessoa vem a este mundo para viver determinados anos de vida! Se morrer antes da hora, não terá auxílio nenhum, será considerada como se fosse foragida da polícia”!


Essa frase atribuída Chico Xavier num livro de relatos de experiência junto ao médium, é ao mesmo tempo chocante e intrigante para os estudiosos desse tema. Ela revela uma concepção milenar sobre o suicídio, visto como um pecado ou transgressão contra as leis e da própria natureza. Essa também é a visão do suicídio que têm as sociedades religiosas tradicionais, considerando tanto a tentativa como o ato suicida em como um crime de homicídio contra o próprio corpo, que socialmente pertence ao Estado. Disso resulta a criminalização ou formalização da violação da lei, com o registro de ocorrência e inquérito policial. Na Inglaterra até o início do século XX a tentativa e o suicídio tinham valores de ressarcimento determinados legalmente, pelos danos prejuízos causados à família e à comunidade, resultando na cobrança de multas e impostos. Outro aspecto punitivo era que morto não podia ser enterrado em sepultura cristã. Os judeus até pouco tempo enterravam os suicidas num lugar separado dos mortos comuns. As duas medidas sofreram mudanças em seus costumes e não fazem mais parte das práticas culturais desses povos.

Nos relatos mediúnicos sobre esse tema, os suicidas são considerados criminosos e são autopunidos em ambientes infernais e purgatoriais até que tenham condições mentais de compreender o que se passa com eles após o desenlace precoce e traumático. Posteriormente são resgatados e internados em manicômios para recompor seus perispíritos, lesados pelo corpos danificados. Depois, ainda portadores de traumas psíquico graves, pois guardam lembranças vivas das tragédias nas quais se envolveram, são submetidos a uma rigorosa reeducação em instituições especializadas em regeneração e replanejamento de expiações e provas reencarnatórias. Tudo isso porque o suicida quebra o plano existencial, complexo processo de evolução no qual estão envolvidos diversos fatores, quase todos atingidos negativamente pelo ato rebelde. Cometido o ato, o indivíduo perde os seu direito de liberdade e de escolha – como os prisioneiros homicidas - e , dependendo das circunstâncias e lesões físicas e psíquicas que causaram , são colocados compulsoriamente em corpos doentes, sujeito as todos os tipos de desequilíbrio, que serão moldados matricialmente pelos próprios elementos biológicos danificados pelo suicídio. As doenças e limitações impostas naturalmente ao suicida, como choque de retorno, são as mais diversas patologias catalogadas pela medicina. Nesse corpo eles purgam as primeiras energias ruins reunidas pela autoviolências, repetidas em outras encarnações nas quais vão restaurando, com outras doenças, os pontos nevrálgicos danificados pela morte precoce.

Esses relatos datam das primeiras décadas do século XX e durante muito tempo ficaram ocultos do conhecimento humano, a não ser pelos relatos metafóricos e simbólicos, como por exemplo o famoso Inferno de Dante e o repertório dogmáticos das religiões tradicionais dos povos antigos. Camilo Castelo Branco, por exemplo, é um narrador dramático e altamente concentrado na culpa e no remorso, ofuscando naturalmente com mais detalhes as ações preventivas e curativas dos núcleos onde foi acolhido.



Mas será que a ideia e concepção – princípios e práticas da nossa cultura – sobre experiência suicida teve alguma mudança útil e significativa nos últimos 50 anos?

Cremos que sim. No mundo espiritual e também entre nós, sobretudo entre os que atuam nesse campo de auxílio. Apesar de ter persistido como prática e constar nas estatísticas mais estarrecedoras, a sociedade está aos poucos abandonando a ideia de tabu para enxergar o suicídio pelo prisma da saúde mental. Aquilo que vimos nos livros sobre como se manifestam e são tratados os suicidas era fruto de uma mentalidade dogmática, povoada de culpa e remorso, refletindo também as concepções religiosas dos suicidas, aqui e no Além. Isso pode ter sido modificado; tanto por quem comete como para quem socorre as vítimas do suicídio. É possível que não haja mais os vales infernais que atraíam os suicidas por afinidade comportamental, porque os enfermos não possuem as mesmas concepções místicas e supersticiosas como aos antigos suicidas. Também é possível que haja ocorrido uma mudança de mentalidade e postura dos institutos de acolhimento e tratamento aos suicidas, que passaram a atuar mais na prevenção, bem como com abordagens mais compreensivas e menos condenatórias. A própria mudança pela qual passou o CVV nos seus 60 anos de trabalhos pode ter sido reflexo das mudanças que tenham ocorrido no mundo espiritual a respeito de como lidar com esse comportamento autodestrutivo. Mesmo tendo um volume estatístico alto e assustador também podemos inferir que, sem essa mudança de concepção e mentalidade e adoção de forma formas de abordagem e tratamento, os números de suicídio poderia ter sido muito maiores. Isso significa que escolhemos o caminho certo, descobrindo diferentes e nova formas de ver, abordar e prevenir o suicídio. Mudamos nossa forma de ver e também de compreender o problema. Os princípios que regulam a vida não foram modificados. O suicídio continua sendo um desvio ou atalho inadequado para as crises existenciais. Porém, as percepções sobre ajuda sofreram profundas modificações, permitindo uma profilaxia compreensiva, mais próxima e mais eficiente sobre aqueles que se matam, sempre mais inclinadas para o amor do que para a punição. Portanto a frase atribuída ao Chico tem também um significado diferente do aparenta. É verdade que o suicida seja condenado e punido com a falta de auxílio no mundo espiritual. Mas essa negação e punição não parte de nenhuma organização de luz e sim próprio suicidas em situação de culpa e remorso , bem como dos pontos e seres obscuros com os quais ele se afiniza após o desencarne precoce e fatalmente sujeito a todo o tipo de desequilíbrio.

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