sábado, 15 de dezembro de 2007

Visionários e utopias





Niemeyer e Lúcio Costa, materilaismo diálético e misticismo. Mure e os futuros espíritas "brasiliens".
J. A. Bata, de joelhos, missão de fundar cidades com a força do capitalismo.


O mundo das artes comemora em 2007 o centenário de Oscar Niemeyer, o criador carioca que materializou e imortalizou a Nova Capital no Brasil Central.

Quantos arquitetos e urbanistas tiveram a oportunidade de realizar o sonho de construir uma cidade inteira, partindo da imensidão de terras planas, como se fosse um gigantesco papel em branco?

Considerado uma das dez inteligências mais brilhantes do século XX (reagiu à pesquisa com uma gargalhada dizendo que era tudo mentira), Oscar é um ateu constantemente perseguido pelas grandes interrogações existenciais. Disse que na juventude se sentiu atraído pelo Espiritismo, porém rendeu-se ao materialismo diálético, para ele inegável e mais coerente quando comparado com as injustiças sociais.

Aos 100 anos, rico, famoso, ídolo de várias gerações, o velho arquiteto comunista trabalha muito e ainda encontra tempo para refletir sobre o universo e também sobre as pequenas coisas que causam angústia no ser humano.

Certamente não é um Espírito comum. Especula-se muito sobre suas ligações com a antiga civilização egípcia, sua origem capelina, a genialidade e a rebeldia materialista, a parceria técnica e ideológica com Lúcio Costa -autor mediúnico do plano piloto (Lúcio contou que recortou o projeto em folhas de jornal ao acordar de um sonho-desdobramento no qual vira a cidade) e com Juscelino Kubtschek, um antigo estadista egípcio reencarnado no Brasil, construtor de Ataon, cidade no interior do Egito que guarda muitas semelhanças com Brasília. Verdade ou não, aí está o homem e a obra, contraditóriamente mística e religiosa, que impressiona a todos.

Em 1986, visitando Brasília na companhia de um colega judeu de Nova York, entramos na famosa catedral projetada por alguém que diz não ter fé, nem aceitar a possibilidade da vida eterna. Depois de observar todos os detalhes possíveis da construção, o meu colega ajoelhou-se e fez uma prece. Disse que não resitistiu e que naquele instante foi impelido a recordar suas raízes culturais perdidas na pós-modernidade. Esse meu colega era Seth Levy e eu o chamava de “Seth, o capelino”. Ele reagia com ironia, mas ficava pensativo.

Jan Antonin Bata

O Brasil, que os índios chamavam de Pindorama (Terra de Sonho e de Graça) sempre foi alvo de visionários em todas as épocas. Dizem que todos eles foram enviados ou estimulados por Ismael, o Espírito-Guia da Nação, cuja tutela segue rigorosamente a idéia de caracterizar o país como refúgio de banidos e perseguidos, campo de esperança e fraternidade de todos os povos, a nova árvore do Evangelho.

Na mitologia jucaica, Ismael, filho de Abraão com a escrava Hagar, foi banido da tribo e vagou no deserto até encontrar o oásis do qual erigiu uma nova civilização. O Brasil colonial deu seus primeiros passos com os degredados e marginalizados da pensínsula ibérica, descendentes de mouros e judeus convertidos.

No século XIX um desses perseguidos e banidos foi o socialista utópico Benoît-Julles Mure,genro de Fourrier e fundador do Falanstério do Say, em Santa Catarina. Mure trouxe para o Brasil a medicina homeopática, o magnetismo e indiretamente as bases do Espiritismo. Junto com ele em 1842 vieram alguns espiritualistas selecionadoss pelo Prof. Jobard, como por exemplo Leclerc e Canu, mais tarde membros da Sociedade de Estudos Espíritas de Paris,conhecidos como "les brasiliens". Mure pretendia criar aqui , e de pois na África, o "Armanase", que em sânscrito significa "império da inteligência".

No século XX surgiu a figura de Jan Antonin Bata, empresário de origem checa e dono do império eslavo da indústria de couros e calçados. Bata acreditava que sua missão no mundo era criar cidades e grandes oportunidades. Ao contrário de Niemeyer, via o capitalismo como instrumento de justiça e prosperidade. Planejava e construía colônias para funcionários de suas fábricas e queria espalhar esse conceito transformador pelo mundo inteiro.

Banido pela onda soviética do leste europeu que atingiu a Checoslováquia, Bata veio aportar no Brasil, onde residiu até sua morte em 1965. Nesse período traçou grandes planos e muitas realizações. Comprou a Companhia de Viação São Paulo-Mato Grosso, mais tarde encampada por Vargas durante o Estado Novo. A empresa construiu e habitou 22 núcleos urbanos, semelhantes aos que existiam na Europa: Prudentina, 2.500 habitantes; Regente Feijó, 19.000; Indiana, 6.500, Sucuri, 800; Caiabú, 1.500; Ouro Branco, 1.200; Boa Esperança D´Oeste, 100; Boa Esperança, 300; Mariapolis, 10.000; Vila Alegrete, 3.500; Mandaguary, 800; Jacaré, 800; Carrapicho, 9.500; Anhumas, 5.000; Laranja Doce, 1.000; Olaria Barrinha, 350; Olaria Bartira, 200; Formoso e Rancharia, 200; Celeste, 800 e Batatuba, 650, Porto Tibiriçá, 400; Bataguassú, 3.000, todos no Estado de São Paulo e no Estado de Mato Grosso.

Atualmente existe na Europa e no país de origem de Jan Antonin Bata o renascimento e o resgate da memória do empresário que certamente estava muito à frente do seu tempo. Daí a incompreensão, as perseguições e os fracassos de muitos dos seus projetos. Mesmo assim, sua obra permaneceu intacta e influente como conceito e referência de inovação e empreendedorismo. Sua missão de fundar cidades, tal como acreditava, foi amplamente cumprida, mesmo que elas tenham tomado outros rumos dos projetos originais, pois existiram, geraram a cultura e a mentalidade progressista em todas as pessoas que alí nasceram, viveram e buscaram a felicidade. O Porto Tibiriçá, lugar onde eu nasci, e todo seu povo, recebeu muito dessa influência utópica batoviana. Tibiriçá não existe mais no mapa, mas sobrevive em nós como conceito de vida e sonho de um mundo melhor.
Para saber mais consulte: portotibirica.blogspot.com - postagem “ A utopia e a obra de Jan Antonin Bata”

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