quinta-feira, 19 de junho de 2008

150 anos, seis gerações

Espiritismo: 150 anos de existência, seis gerações de consciência. Imagem : http://era-do-espirito.blogspot.com/



Allan Kardec desencarnou aos 69 anos. Na referência de desempenho existencial descrita por André Luiz em “Missionários da Luz”, ele quase não atinge a meta de “completista”, ou seja, 70 anos de labuta carnal. Voltou ao mundo espiritual por causa de aneurisma cerebral, depois de um estafante trabalho editorial, espiritual e político na Revista Espírita e na Sociedade Espírita de Paris. O Espírito Dr. Demeure vivia alertando-o sobre suas condições saúde, mas o trabalho era urgente e tão amplo que sua seqüência deveria ser concluída numa outra existência próxima. Isto porque o nosso mestre, aparentemente, começou tarde e só teve 14 anos para organizar a estrutura da doutrina e do movimento. Antes disso, ele não era Kardec, não era espírita, não tinha preocupações com o mais Além, enfim era Rivail, um cidadão comum, preocupado em sobreviver e honrar os compromissos pessoais. A carreira de empresário e educador fracassou e ele teve que se virar em outras tarefas comuns aos mortais. Nesse percurso, paralelo ao trabalho doutrinário social, certamente ele percorreu seus portais íntimos, tentando romper os obstáculos da sua experiência pessoal como Espírito em evolução. Se Kardec voltou ou vai voltar para terminar a tarefa é conversa para outra ocasião, pois o que nos interessa nesse momento é fazer uma reflexão sobre essa primeira parte da tarefa do Codificador.

A razão do Espiritismo é o ser humano e a lógica do seu movimento social é a transformação da pessoa, através da mudança de déias, da renovação de sentimentos e das atitudes. É uma proposta revolucionária e não reformista. Não é maquiagem superficial ou mero evento conjuntural; é conjunto de mudanças profundas, estruturais, como os grandes fatos de longas permanências. Assim como aconteceu com outras doutrinas de grande impacto histórico, o Espiritismo não é simples objeto de observação científica e especulação filosófica. É um fato social espontâneo que surgiu naturalmente e passou a fazer parte do cotidiano e das mentalidades. Portanto, seria um erro ideológico de graves conseqüências obstruir ou desviar o Espiritismo da sua finalidade primordial, que é a promoção existencial humana. Tudo no Universo já está resolvido e solucionado, já possui respostas e é do conhecimento das mentes mais evoluídas. O único enigma que permanece não decifrado é o da individualidade espiritual, cujos detalhes misteriosos só podem ser desvendados pelas ações do livre arbítrio, no ambiente natural de provas e expiações. A própria psicologia já conseguiu mapear e explicar muitas das reações e atitudes humanas, mas ainda não conseguiu penetrar no terreno imprevisível das escolhas e das decisões. Esse campo é exclusivo da relação entre criatura e Criador, sendo este último o único a conhecer o complexo universo das probabilidades das mentes criadas por Ele, à sua imagem e semelhança.


Por isso, todo o esforço empreendido pelo movimento espírita em melhorar o mundo passa primeiro pelo ser humano. Qualquer tentativa contrária desse sentido é perda de tempo ou intenção perversa e deliberada para retardar a evolução humana. Nossos inimigos já conhecem essa realidade, ao contrário de muitos espíritas, que permanecem estáticos, iludidos com as maravilhas exteriores dos fenômenos ou do mundo prazeiroso das elucubrações filosóficas e vaidoso das atividades institucionais. Como no passado , muitos de nós continuamos achando que, para nos “salvar”, basta saber pensar como manda o figurino, vestir o hábito da aparência e nos envolvermos nos bastidores políticos das organizações intermediárias entre a Terra e o Céu. Talvez esse seja um ponto de vista radical, talvez agressivo, irritante e ameaçador para todos nós, principalmente quando nos mostramos preguiçosos e acomodados com relação aos compromissos que assumimos com o trabalho espírita em nossas encarnações atuais. Por isso, não basta comemorar os 150 anos da Doutrina com a perplexidade dos ignorantes, a empolgação dos novatos ou o desencanto dos veteranos. Se assim for, será necessário outros 150 para que despertemos para as suas verdades. 150 anos significam, em média, duas existências humanas e seis gerações, tempo curto e de poucos resultados, quando mensurados no plano coletivo da História, mas longo e de graves repercussões se medido no plano das individualidades que, aos milhões, vêm sendo atingidas, neste e em outros planos, pelas bases doutrinárias dos Espíritos. Dos seis períodos previstos por Kardec para o desenvolvimento, propagação e repercussão do Espiritismo nas mentes humanas, observamos que muito já ingressaram na fase de maturidade social, porém muitos permanecem nas fases primitivas da infância e adolescência da doutrina. Os períodos foram apontados não pelo relógio do tempo existencial, mas pela bússola da consciência. O tempo social e lógico da doutrina não o mesmo tempo consciencial e psicológico dos adeptos. Essa diferença se acentua ainda mais quando lembramos que os espíritas não são todos mentalmente iguais, pois cada um tem o seu ritmo pessoal e a sua equação individual para ser solucionada. A maioria de nós já reencarnamos com alguma referência espírita, após uma longa iniciação intelectual, desenvolvendo habilidades filosóficas superficiais nas colônias da erraticidade. Porém, não atingimos as respectivas competências emocionais. E essas só são adquiridas na carne, quando nos submetemos de peito aberto às experiências vivenciais.


Este é um momento de comemoração de um século e meio de uma grande revelação. E isso merece todas as reverências da grandiosidade do evento. Mas é também o momento para questionar sobre como estamos aproveitando essa oportunidade de enxergar além do grande véu que há séculos encobria os nossos olhos. É o momento de comemoração do tempo existencial e físico, todavia é também a hora de reflexão máxima sobre o tempo consciencial e metafísico, para qual certamente nos comprometemos com lances comoventes de arrependimento e muitas promessas de renovação, mas, como sempre, com poucas realizações.

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