terça-feira, 24 de junho de 2008

Carl Rogers e o Espíritos

Carl Rogers e sua filha Natalie


Atendendo a pedidos, postamos agora o famoso relato de Carl Rogers, do qual já havíamos falado em dezembro de 2007.

REFLEXÕES SOBRE A MORTE

E então, há o fim da vida? Talvez lhes surpreenda o fato de , na minha idade, eu pensar muito pouco sobre a morte. O interesse generalizado por este assunto surpreende-me.

Há dez ou quinze anos atrás, eu tinha a certeza de que a morte representava o fim de tudo. Eu ainda encaro esta perspectiva como a mais provável. No entanto, não me parece trágica ou terrível. Tenho sido capaz de viver – não de modo total - , mas com um grau de plenitude ,não de um modo total , mas com um grau de plenitude bastante satisfatório – e me parece natural que minha vida chegue a um fim. Já atingi, nas outras pessoas, um certo grau de imortalidade. Já disse algumas vezes que , psicologicamente, tenho filhos e filhas vigorosos em todo o mundo. Acredito que as idéias e as maneiras de viver que eu e os outros ajudamos a desenvolver continuarão, pelo menos por algum tempo. Se eu, como indivíduo, acabar por completo, haverá aspectos meus que ainda viverão sob várias formas de desenvolvimento, o que não deixa de ser uma perspectiva agradável.

Acredito que ninguém pode saber se teme a morte antes que ela chegue. Certamente, a morte é o último mergulho no escuro, e creio que a apreensão que eu sinto quando vou ser anestesiado será duas vezes maior quando eu estiver diante da morte. Por enquanto, ainda não tenho um medo realmente profundo da morte. Até onde posso perceber, meu medo relaciona-se com as circunstâncias em que poderá se dar. Tenho horror de qualquer doença longa e penosa que leva à morte. Odeio pensar na senilidade ou num distúrbio cerebral parcial devido a um derrame. Prefiro morrer rapidamente antes que seja tarde demais para morrer com dignidade. Penso, por exemplo, em Winston Churchill. Não lamentei sua morte. Lamentei o fato de que ela não tivesse ocorrido mais cedo, quando ele poderia ter morrido com a dignidade que merecia.

A minha crença de que a morte é o fim foi modificada, no entanto, por coisas que aprendi na década passada. Fiquei impressionado com os relatos de Raymond Moody (1975) sobre experiências com pessoas que estiveram próximas da morte a ponto de serem declaradas mortas, mas que voltaram à vida. Impressionaram-me alguns relatos sobre reencarnação, embora eu considere uma benção muito duvidosa. Interesso-me pelos trabalhos de Elisabeth Kübler-Ross e por suas conclusões sobre a vida após a morte. Acho muito interessante a concepção de Arthur Koesler, segundo a qual a nossa consciência individual não passa de um fragmento da consciência cósmica, reabsorvido por ela depois da morte do indivíduo. Gosto da analogia do indivíduo como um rio que corre, com o passar do tempo, em direção às águas do mar e abandona seu leito lamacento ao atingir o mar ilimitado.

Assim, considero a morte como uma abertura para a experiência. Ela será o que tiver que ser, e estou certo de que a aceitarei, quer ela seja um fim, quer uma continuação da vida.


Atualização – 1979


Decidi completar este capítulo concentrando-me em 1979 – um ano bastante movimentado, no qual a dor, a mudança, a satisfação e o risco marcaram a sua presença.


VIVENDO O PROCESSO DE MORRER

Nos dezoito meses que antecederam á morte da minha mulher, em março de 1979, houve uma série de experiências em que Helen, eu e alguns amigos estivemos envolvidos. Estas experiências mudaram decididamente minhas concepções e sentimentos sobre a morte e a continuação do espírito. Foram experiências intensamente pessoais, e algum dia escreverei mais detalhadamente sobre elas. Por hora, posso apenas esboçá-las. A história de se segue se refere sobretudo a Helen, mas focalizarei a minha vivência desta experiência.

Helen era muito cética em relação a fenômenos psíquicos e à imortalidade. Mas fomos convidados a visitar uma médium honesta, que não cobraria pela consulta. Lá, Helen experimentou, e eu observei, um “contato” com sua irmã já falecida, envolvendo fatos de que a médium não poderia ter conhecimento. As mensagens eram extraordinariamente convincentes e vieram através de batidas de uma sólida mesa, que soletrava as palavras. Mais tarde, quando a médium veio á minha casa e minha própria mesa soletrou mensagens em nossa sala de estar, só me restava ceder diante de uma experiência incrível e certamente não-fraudulenta.

Helen teve ainda algumas visões e sonhos com pessoas de sua família, o que a fez pensar cada vez mais que seria bem recebida “do outro lado”. Quando a morte estava mais próxima, ela viu figuras malignas e o próprio diabo rondando a sua cama, no hospital. Mas quando um amigo sugeriu que estas talvez fossem criações de sua mente, Helen mandou-os embora, dizendo ao diabo que ele havia cometido um erro ao vir, pois não iria embora com ele. Ele não voltou a aparecer.

Ainda nesses últimos dias, Helen viu uma luz branca e inspiradora que se aproximou dela, levantou-a da cama e depois a deitou novamente

Como já disse, nesses últimos anos a distância entre nós crescera muito. Queria cuidar dela, mas não tinha mais certeza de que a amava. Um dia, quando ela estava muito perto de morrer, senti uma agitação interna que não podia entender. Quando fui ao hospital para lhe dar o jantar, como fazia sempre, vi-me de repente dizendo a ela que a havia amado muito, que ela significara muito para mim e que ela havia contribuído imensamente para manter a nossa longa união. Senti que já havia dito todas essas coisas para ela antes, mas naquela noite tiveram uma intensidade e sinceridade que nunca havia tido antes. Disse-lhe que não se sentisse obrigada a viver, que tudo estava bem com a sua família e que ela devia se sentir livre para viver ou morrer, como ela o desejasse. Disse também que esperava que a luz branca voltasse naquela noite.

Evidentemente, eu a estava libertando da idéia de que devia viver – para os outros. Mais tarde soube que, quando a deixei, ela chamou as enfermeiras daquele andar, agradeceu-lhes por tudo o que haviam feito por ela e lhes disse que ia morrer.

Pela manhã, ela estava em coma e na manhã seguinte morreu em paz, enquanto sua filha segurava-lhe a mão, diante de mim e de muitos amigos.

Naquela noite, alguns amigos tiveram uma sessão com a aquela médium. Logo entraram em contato com Helen, que respondeu a muitas perguntas: ela havia ouvido tudo o que se dissera enquanto estava em coma; ela havia visto a luz branca e Espíritos vindo em direção a ela; estava em contato com sua família; ela tinha agora o aspecto de uma mulher jovem; sua morte havia sido pacífica e indolor.

Todas essas experiências que estou mais sugerindo do que propriamente descrevendo, neste capítulo, tornaram-me muito mais aberto á hipótese da continuação do espírito humano, coisa que jamais acreditei ser possível. Essas experiências provocaram em mim um grande interesse por todo tipo de processo de fenômenos paranormais. Modificaram completamente minha concepção do processo da morte. Agora considero possível que cada um de nós seja uma essência espiritual contínua, que se mantém através dos tempos e que ocasionalmente se encarna num corpo humano.

É óbvio que todas essas considerações contrastam frontalmente com algumas passagens desse capítulo, escrito há apenas dois anos atrás.

NOTA DO BLOG: A cultura espiritualista anglo-saxônica sempre teve dificuldades para aceitar a reencarnação como lei natural, fato que Kardec já havia observado em artigo na Revue, afirmando que tal aceitação era questão de tempo. Essa mesma cultura, embora aceitando a manifestação dos Espíritos, ainda vem carregada do imaginário mitológico bíblico, como essa descrição que Helen, no leito de morte, fez sobre a aparição de entidades pouco iluminadas. Sobre a concepção panteísta emitida por Rogers, da perda da individualidade após a morte, Kardec também refletiu sobre o assunto em “Obras Póstumas”, quando compara essas e outras teses com o Espiritismo.

Um Jeito de Ser – EPU – São Paulo, 1983.

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