sábado, 5 de dezembro de 2009

Caminhando por outras praias


Numa noite dessas, fora do corpo físico, fomos a um lugar que nos foi dito ser na região de Campinas, grande cidade do interior de São Paulo. Estávamos na companhia de alguém que não nos parecia estranho e que – como nós – buscava atingir um ponto definido e solucionar algumas dúvidas importantes.

Fomos caminhando por uma imensa área florestal e nos deparamos com uma represa de grandes proporções. Uma ventania não muito forte dava um tom de naturalidade naquele ambiente agitando as águas, formando milhares marolas na superfície. Numa das margens havia uma praia enorme , dessas orlas muito amplas onde a distância entre a água e a terra firme é bem extensa. Em alguns pontos essa distância aumentava ainda mais e percebia-se que a água eventualmente penetrava por entre as árvores ali existentes, muitas palmeiras e coqueiros protegidos por uma densa mata nativa, típica do interior paulista.

Tudo ali nos parecia diferente, tanto no lago quanto na vegetação, mistura de paisagem interiorana com a do litoral. Ao caminharmos pela areia, notamos uma curiosa variedade de frequentadores e estes estavam agrupados por afinidade em diversos pontos da praia. Esses grupos ignoravam completamente uns aos outros e a nossa presença ora era vista com indiferença ou então com alguma estranheza por alguns indivíduos. Porém, entre eles, em cada grupo, havia um contado intenso através de conversas e manifestações de confraternização, embora de forma fútil e distante. Notamos também que as pessoas pertenciam a classes sociais diferentes e que na praia essa diferença se acentuava pela postura que adotavam em determinadas situações. Na aparência física eram todos iguais , mas existia no ar uma certeza ou crença de que eram diferentes e que não podiam se misturar. Havia entre eles a necessidade de afirmarem uma identidade mais forte daquela que aparentavam ter e muitos cultivam pensamentos e sentimentos altamente emotivos sobre as suas origens mais remotas, que simbolizavam em forma de gestos, hábitos, vestimentas, profissões e sobrenomes.

Havia uma atmosfera de ansiedade e expectativa em todos e nós mesmos permanecíamos muito constrangidos por estar ali entre eles, pois não nos identificávamos com nenhum daqueles grupos.

Em poucos instantes já estávamos numa cabana ou chalé no qual conversamos com um rapaz alegre e ao mesmo tempo preocupado com o que estava acontecendo lá fora. A pessoa a quem nós acompanhávamos parecia interrogá-lo tentando obter informações sobre seu passado e ele respondia todas as perguntas com muita habilidade, indicando referências e procedimentos para facilitar o entendimento. Parecia conhecer bem a situação toda e dava detalhes sobre as identidades e afinidades daqueles grupos, que pareciam ser espíritos desencarnados preparando para reencarnar. Parecia também ser o inverso. Um detalhe chamou muito a nossa atenção: a maioria daquelas pessoas parecia estar em estado de perturbação e naquela fase revelavam com muita espontaneidade as suas características pessoais e seus anseios secretos na nova experiência pela qual iriam passar. A aproximação intensa entre os afins era uma forma de compensar a sensação de incerteza e também a insegurança sobre as suas identidades. O convívio ali facilitava a compreensão dos sentimentos que nutriam sobre si mesmos, uma indefinição de suas personalidades. Esse contato social e troca de experiências auxiliava na recomposição das suas individualidades, então dispersas em imagens altamente idealizadas que alimentaram nos últimos tempos.

Em meio à conversa dos dois percebemos que o nosso companheiro de viagem havia se inteirado de algumas situações que lhe causaram forte emoção e agora podia compreender o que estava fazendo ali e que rumo poderia tomar. Parecia ter se reencontrado. E nós continuávamos ainda meio deslocados e um tanto perdidos. Aquela não era a nossa praia, não conhecíamos ninguém além do companheiro, que nos pareceu um amigo de longa data. Talvez fomos solicitados a acompanhá-lo num momento difícil de retorno à carne ou então desencarne, não sabemos certamente. O choque da revelação o recompôs depois de uma sofrida transição.

Acordamos pela manhã com essas cenas todas misturadas na mente e emocionalmente abalados, embora tenha sido uma experiência curiosa e intrigante.

Nos refizemos rapidamente após uma prece.

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