quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Ateus reclamam contra o preconceito

Ateus fazem campanha para mostrar que são vítimas de preconceito . “Somos a encarnação do mal para grande parte da sociedade”, diz presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA)

Danielle Nordi, iG São Paulo 29/07/2011


A campanha era para ser veiculada na parte traseira dos ônibus, mas empresas de São Paulo, Salvador, Florianópolis e Porto Alegre se recusaram a fazê-lo. A saída foi utilizar outdoors. Pelo menos em Porto Alegre, que desde o começo do mês é a primeira cidade brasileira a exibir uma campanha que defende o ateísmo.


Afinal, o que há de tão problemático com os anúncios? De acordo com Daniel Sottomaior, presidente da organização responsável pela campanha, o que incomoda é o conteúdo. Ele diz que as mensagens foram feitas com o objetivo de conscientizar a população de que o ateísmo pode conviver com outras religiões e não deve ser encarado como uma deficiência moral. “Todos os grupos que sofrem algum tipo de preconceito procuram fazer campanhas educativas para tentar minimizar o problema. Foi o que fizemos”, afirma.


Diante das mensagens veiculadas nos outdoors, as reações foram variadas. “Foram interpretadas como provocação por alguns grupos religiosos. Além disso, muitos acharam de mau gosto ou preconceituoso. Acho que isso foi coisa de quem não entendeu ou não quis entender”, diz. Daniel diz que seu objetivo é mostrar que ser ateu é difícil. “As pessoas ficam chocadas quando você revela que não acredita em um deus. Muitos chegam a perder emprego e, principalmente, amigos”.

Punição

Para o sociólogo americano e estudioso das religiões Phil Zuckerman o ateísmo ainda é fonte de muito preconceito. Segundo ele, ateus sofrem até mesmo perseguições. “Mesmo atualmente, em algumas nações, ser ateu é passível de punição com pena de morte. Nos Estados Unidos existe um forte estigma em ser ateu, principalmente no sul, onde a religiosidade é mais forte”, conta.
No Brasil, um país laico, a intolerância pode aparecer nas situações mais improváveis. A professora da Universidade Federal de Minas Gerais Vera Lucia Menezes de Oliveira e Paiva perdeu um filho de dois anos, atropelado. Diante do sofrimento da família no velório da criança, Vera escutou uma frase que a deixou bastante magoada. “Uma amiga me disse: ‘Quem sabe isso não aconteceu para você aprender a ter fé?’. Isso apenas reforçou minha convicção de que eu não queria acreditar em nenhum deus que pudesse levar o meu filho inocente”, revela.


Apesar de tudo, Vera afirma que não se perturba com comentários acerca de sua escolha. “Acho natural que uma pessoa religiosa queira demonstrar sua fé. Entendo e convivo com pessoas bastante religiosas sem problema algum. Só não gosto quando ficam argumentando sobre o quanto é maravilhoso acreditar em Deus. Tenho direito a ter minha crença pessoal.Ou a falta dela.”


Daniel diz que atitudes como estas, vindas de amigos e familiares, fazem com que ateus não “saiam do armário”. Ele afirma que esta expressão, usada inicialmente para descrever homossexuais que ainda não se assumiram, encaixa-se perfeitamente no momento pelo qual o ateísmo vem passando. “Estamos atrasados uns 30 anos em relação à luta contra o preconceito, se compararmos com homossexuais ou negros. Sou bastante cético, mas tenho a esperança de que possamos alcançar o mesmo patamar daqui a algumas décadas”, revela.
Exagero


Há quem veja afirmações como as dada por Daniel como exagero. O filósofo Luiz Felipe Pondé, professor da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), considera ações como as desenvolvidas pela ATEA como marketing. “O preconceito diminuiu muito, principalmente nos meios universitários e empresariais. Acho a comparação de ateus com negros e homossexuais um exagero. Tem um pouco de marketing aí”.

COMENTÁRIO DO BLOG

Deísmo e ateísmo são ideologias idênticas, ou seja, ambas tentam explicar o que não se explica com argumentos emocionais nem racionais. A lei de adoração, que é uma lei natural,espontânea, sempre provocou comportamentos extremistas, que é um desequilíbrio do próprio ser humano diante das coisas existentes, porém aparentemente incompreensíveis. A propaganda revela isso quando mostra que Hitler acreditava em Deus e Charles Chaplin era ateu. Ledo engano. Hitler tinha uma visão distorcida de si mesmo e confundia essa visão como o próprio deus que talvez achasse que era ele mesmo. Isso não era deísmo. Chaplin provavelmente sabia da nossa incapacidade de definir e compreender esse assunto e considerava infantil e limitada essa concepção judaico-cristã divindade. Isso não é ateísmo. Mas é justo que os ateus tenham o direito de pensar, expressar e agir, como fazem o chamados crentes. Os incomodados que se cuidem nas suas crenças frágeis e contraditórias. As provocações também são uma reação natural ao preconceito. Mesmo entre os crentes ainda existe uma questão a ser definida: afinal, Deus é alguém ou alguma coisa? O certo é perguntar "Quem é Deus? " ou "O que é Deus?"

Um comentário:

D. H. Montuan disse...

Confesso que me interesso profundamente por esse assunto.

Não sei onde ouvi essa frase, mas gosto de utilizá-la nessas discussões: De todas as manifestações de liberdade do ser-humano, a mais irrepreensível é a de pensar.
Eu, que outrora já fui ateu, compreendo muito bem o preconceito e a discriminação sofrida pela classe. Deveríamos assumir antes de tudo, com a humildade que nos é devida, que boa porcentagem dos ateus, agnósticos ou os "arreligiosos", compreendem pessoas de elevado nível intelectual, portadores de conhecimentos extremamente relevantes, muitas vezes ignorados por nós, crentes. Pessoas a quem muitas vezes deveríamos ouvir, em circunstâncias específicas, pois visualizam a vida de forma estritamente racional.

Isso não justifica nada em especial, mas soma-se ao imperativo de respeito e consideração que devemos, indistintamente, à todos os irmãos de jornada terrestre.

A crença religiosa representa, na minha opinião, indispensável recurso para a construção do equilíbrio e do conforto íntimo. Quando bem compreendida, ela ocupa os espaços vazios do nosso ser, conduzindo-nos na responsabilidade de viver. Mas é extremamente nociva, quanto colocada em conflito com os valores de organização da sociedade.

O religioso fanático vive dentro de uma cápsula, e dentro dela, há tudo que diz respeito à sua crença. Qualquer conflito de opinião, discussão ou outra circunstância de relacionamento, ele "puxa" para dentro dessa "cápsula" e só aceita o que está dentro dela. Tudo o que está fora é falso, errado ou imoral.

Para que os adeptos de crenças religiosas convivam saudavelmente em sociedade, com pensamentos e opiniões diversas, e necessário saibam sair dessa capsula e compreender os valores da sociedade que devem ser preservados como senso comum. O uso da lógica, da razão e do método científico para solução de problemas devem estar posicionados, no contexto de organização da sociedade, em termos de educação, cultura, política, economia, sustentabilidade, etc, numa condição hierárquica superior à crença particular de cada indivíduo. Contudo, é lamentável que algumas pessoas sequer conseguem distinguir a diferença entre crença e conhecimento.

Falando mais particularmente aos crentes e religiosos, especialmente os adeptos do cristianismo, creio que nós temos maior responsabilidade nos esforços de equilíbrio dos conflitos dessa natureza. Esquecemos, por ventura, a lição de Cristo, que orienta que façamos prosélitos com brandura e persuasão?
Onde está a brandura, em violentar os ideais alheios, acusando-os de serem falsos ou hereges? Onde está a persuasão, em afirmar, a priori, que somos os donos da verdade? Acaso, somos portadores do conhecimento absoluto? E por fim, onde está a caridade, a doçura e o amor, exemplificados pelo próprio Cristo, no trato com os irmãos de humanidade, ainda incrédulos e fracos de fé?

Enfim, espero ansiosamente o dia que os espíritos dos homens acordem para tal realidade. Ante a luz que se acende a nossa fronte, que saibamos administrar essa relativa verdade, para não violentar ou ferir a relativa verdade dos outros.