"Os médiuns, na sua generalidade, não são missionários, na acepção comum do termo: são almas que fracassaram desastradamente, que contrariaram sobremaneira o curso das leis divinas e que resgatam, sob o peso de severos compromissos e ilimitadas responsabilidades, o passado obscuro e delituoso. O seu pretérito, muitas vezes, se encontra enodoado de graves deslizes e de erros clamorosos. Quase sempre são Espíritos que tombaram dos cumes sociais pelo abuso do poder, da autoridade, da fortuna e da inteligência, e que regressam ao orbe terráqueo para se sacrificarem em favor do grande número de almas que se desviaram das sendas luminosas da fé, da caridade e da virtude". – Emmanuel
O conceito de mediunidade prova, tal qual conhecemos e usamos atualmente, não aparece nas obras e dissertações de Allan Kardec senão nos exemplos em que os médiuns são por ele defendidos contra as calúnias e perseguições. Para Kardec, o médium é uma figura pública que se expõe aos mais terríveis escolhos e julgamentos humanos, na maioria das vezes carregados de ironias e injustiças, como sempre aconteceu em todas as épocas e circunstâncias em que as faculdades psíquicas se manifestam em sociedades supersticiosas, conservadoras e dogmáticas. Foi dessa forma que o Codificador falou dos médiuns dos tempos antigos e dos seus contemporâneos, em especial as irmãs Fox e Daniel Dunglass Home. Mostrou a importância social desses operários da Verdade, mesmo que tais experiências muitas vezes fossem incompatíves e contraditórias em relação à moral doutrinária. Registrou a conduta discreta e moderada dos médiuns educados nas sociedades espíritas, mesmo porque estes também não estavam isentos dos seus compromissos e débitos pessoais. Ele mesmo e Amélie não passaram por momentos tormentosos de preparação e exercício de suas faculdades e tarefas?
Na literatura espírita a expressão “mediunidade de prova” foi utilizada pela primeira vez em 1940 no clássico “Mediunidade”, de Edgard Armond, o célebre instrutor e pioneiro de cursos para médiuns da Federação Espírita do Estado de São Paulo. Armond se antecipou até mesmo a André Luiz, que só foi utilizar o termo alguns anos após em uns dos livros da famosa série psicografada por Chico Xavier. O antigo projeto de Allan Kardec e de Bezerra de Menezes em criar escolas de espiritismo e treinamento psíquico tinha como meta curricular esclarecer e preparar os médiuns para realizar suas tarefas e missões. Armond e sua equipe transpuseram essas escolas, que são muitos comuns no mundo espiritual, para as instituições espíritas, tal qual planejaram os pioneiros.
Mas a deserção sempre ronda e assedia o trabalho mediúnico. Os Espíritos inimigos estão sempre atentos e muitos encarnados, incluindo alguns espíritas, contribuem para difundir os precedentes dessa triste fuga dos quadros colaborativos. Alguns confrades realmente não aceitam essa categoria mediúnica, mais por questão de limitação pessoal, do que propriamente por convição intelectual e científica. Como dizia J. Herculano Pires, estes têm dificuldades em aceitar a filosofia espírita como elemento de transformação moral e passam a acreditar que é mais fácil mudar a doutrina e a realidade natural do que a si mesmos.
Quando Emmanuel publicou a sua opinião acerca do tema, sintetizada na epígrafe acima, tornou-se mais clara a idéia da diferença entre mediunidade natural e de prova, bem como a inevitável comparação entre mediunidade-missão e mediunidade-tarefa, experiências diversas que marcam as especificidades e características dos portadores das faculdades psíquicas. Essa definição do principal mentor de Chico Xavier nos fez entender e lembrar de inúmeras personalidades no exercício mediúnico e posteriormente compreender a difícil experiência de cada um deles na condição do médium. A trajetória dolorosa entre as lágrimas e a resignação não poderia ser de outra forma, não num planeta em que a mediunidade é fator da natureza, mas também é tencologia psíquica e ferramenta evolutiva do Espírito. Compreendemos não só o fenômeno em si, mas também as causas do martírio de pessoas que dedicaram suas existências para difundir a realidade espiritual e também minorar o sofrimento alheio.
Lembrando Marshal MacLuhan, assim como todos os intrumentos criados pelo Homem são extensões dos limites do corpo, com o Espiritismo aprendemos que a mediunidade é a própria tecnologia psíquica, a extensão revolucionária dos limites da mente.
No entanto, a mediunidade não precisa ser somente escolhos e lágrimas. Ela poder ser exercida com equilíbrio e alegria, desde que o médium não se rebele contra a natureza e as suas próprias características psíquicas, marcas das suas possibilidades de ação, mas também reflexos dos seus limites pessoais. Diferente dos tempos antigos em que o médium era visto como aberração do sobrenatural, hoje a mediunidade adquiriu liberdade e responsabilidade social. É sacerdócio reconhecido em todas as religiões e filosofias humanistas, em diferentes manifestações culturais, inclusive no campo científico, mas continua sendo fator de risco em caso de abusos humanos. Na escola da Vida Planetária continua sendo o trajeto entre a perturbação e o equilíbrio, o sofrimento e a resignação, o fracasso e a vitória, o débito e o resgate, a estagnação e a evolução, o conhecimento e o auto-conhecimento, a dor e o amor, enfim, o dever e o prazer de ajudar o próximo.
“A doutrina de Jesus ensina sempre a obediência e a resignação, duas virtudes companheiras muito ativas da doçura, embora os homens erroneamente as confundam com a negação do sentimento e da vontade. A obediência é o consentimento da razão; a resignação é o consentimento do coração. Ambas são forças ativas, pois carregam o fardo das provas que a revolta insensata não suporta. O covarde não é uma criatura resignada, assim como o orgulhoso e o egoísta não são obedientes. Jesus foi a encarnação dessas virtudes desprezadas pela antigüidade materialista. Veio no momento em que a sociedade romana agonizava, destruída pela corrupção. Veio fazer resplandecer, no seio da Humanidade moralmente enfraquecida, os triunfos do sacrifício e da renúncia carnal. Cada época é assim marcada com a característica da virtude ou do vício que a devem salvar ou perder. A virtude da vossa geração é a atividade intelectual; seu vício é a indiferença moral. Digo que é apenas atividade, pois o homem de gênio* se eleva de repente e descobre sozinho os horizontes que a multidão só verá muito depois dele, enquanto a atividade é a reunião dos esforços de todos para atingir um objetivo menos brilhante, mas que comprova a elevação intelectual de uma época. Submetei-vos ao impulso que viemos dar aos vossos Espíritos. Obedecei à grande lei do progresso, que é a palavra da vossa geração. Infeliz do Espírito preguiçoso, daquele que fecha seu entendimento! Infeliz! Pois nós, que somos os guias da Humanidade em marcha, o atingiremos com o chicote e forçaremos sua vontade rebelde com a dupla ação do freio e da espora. Toda resistência orgulhosa deverá ceder, cedo ou tarde. Mas, bem-aventurados aqueles que são mansos, pois receberão com doçura os ensinamentos’.
Nenhum comentário:
Postar um comentário