Um editorial do jornal o Estado de São Paulo (de 25/05/2008) faz severas críticas ao uso da psicografia nos tribunais, alegando principalmente o caráter laico do Estado e a autoridade positiva da ciência. Sobre o caráter laico do Estado concordamos plenamente com o jornal, mas quando se trata de defender a ciência positiva como autoridade absoluta e “última palavra” em sinônimo e referencial da verdade, não dá para aceitar. Realmente tem havido abusos e exibicionismos no trato com essas questões jurídicas, esquecendo-se que os casos clássicos tinham elementos irrefutáveis e que desafiavam a lógica e a jurisprudência. Não é a mensagem psicográfica em si (objeto) , nem o meio (médium) que possui valor de verdade, mas a essência e a revelação de evidências incontestáveis e não incluídas nos inquéritos. Negar essas evidências é ser tão cego e dogmático quanto aceitar tais provas sem submetê-las ao crivo da razão. Antes de fazer qualquer avaliação precipitada sobre o assunto, este jornal deveria se informar melhor sobre a história e o caráter desse tema para poder melhor formar sua opinião e informar os leitores. Estamos diante de um desafio de paradigmas onde não podemos nos render ao comodismo nem nos intimidar com a reação. É preciso ter bom senso.
O editorial - O espiritismo nos tribunais
Sob a justificativa de tornar a Justiça "mais sensível às questões humanitárias" e discutir questões morais como aborto, eutanásia, pena de morte e pesquisas de células-tronco, um grupo de delegados de polícia, advogados, promotores, procuradores e juízes acaba de criar a Associação Jurídico-Espírita de São Paulo (AJE), com cerca de 200 filiados. Entidades semelhantes já existem no Rio Grande do Sul e no Espírito Santo e a maior delas é a Associação Brasileira de Magistrados Espíritas (Abrame), que reúne 700 juízes, desembargadores e até mesmo ministros de tribunais superiores.
Para essas entidades, aplicar o direito é "missão de vida" e nada impediria os juízes de embasar suas decisões em princípios religiosos. "O Estado é laico, mas as pessoas não. Não tem como dissociar e dizer: vou usar a minha fé só dentro do centro espírita", diz o promotor Tiago Essado, um dos fundadores da AJE. "Não enxergaria nenhuma diferença entre uma declaração feita por mim e uma declaração mediúnica, que foi psicografada por alguém", afirma Alexandre Azevedo, juiz-auxiliar da presidência do Conselho Nacional de Justiça. "Não acredito em acaso, mas numa ordem que rege o universo, acredito em leis universais", endossa o juiz Jaime Marins Filho. É preciso "questionar os poderes constituídos para que o direito e a Justiça sofram mais de perto a influência de espiritualizar", conclui o juiz federal Zalmino Zimmermann, presidente da Abrame.
Entre as propostas defendidas por essas entidades está a utilização de declarações e cartas psicografadas por médiuns espíritas nos tribunais como prova material ou documental inclusive em casos de homicídio. O problema é que, além de essas medidas não terem qualquer comprovação científica, elas comprometem a certeza jurídica e a própria objetividade das decisões judiciais. Acima de tudo, essas medidas colidem com o princípio do Estado laico, que enfatiza a separação entre o poder público e a religião e o prevalecimento do rigor lógico-formal do ordenamento jurídico e o caráter científico do direito positivo sobre crenças de natureza moral e pessoal, critérios sobrenaturais, valores religiosos e as chamadas "verdades reveladas".
A discussão não é nova. Além das entidades de juízes espíritas, há muito tempo existem associações de juristas católicos que foram criadas com o objetivo de "contribuir para a presença da ética católica na ciência jurídica". Um dos integrantes dessas associações, o ministro Carlos Alberto Direito, do Supremo Tribunal Federal (STF), envolveu-se recentemente numa acirrada polêmica com colegas de Corte e com entidades médicas, ao pedir vista da Ação Direta de Inconstitucionalidade que contesta as pesquisas com células-tronco embrionárias. Com isso, apesar da tendência da Corte de rejeitar o recurso, ele sustou o julgamento no dia 4 de março, o que levou a ministra Ellen Gracie a criticá-lo publicamente. Embora o regimento do STF fixe em 30 dias o prazo para vista, até hoje Direito não devolveu os autos ao plenário.
Em vários Estados, advogados vêm apresentando aos Tribunais do Júri declarações psicografadas como estratégia de defesa. Nesse tipo de julgamento, como é sabido, os jurados não precisam fundamentar seus votos. Os juristas espíritas alegam que a psicografia pode ser levada em consideração desde que esteja em "harmonia" com as demais provas. Como não há garantia nem de autenticidade nem de cientificidade de documentos psicografados, muitos promotores pedem a sua impugnação sumária. "Escorar uma decisão com base numa prova psicografada não tem ressonância no mundo jurídico", diz Walter da Silva, presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe).
Com o objetivo de fechar brechas legais que desvirtuam julgamentos e abrem caminho para as mais absurdas decisões judiciais, a Câmara dos Deputados está discutindo um projeto que altera o Código de Processo Penal, proibindo expressamente o uso de cartas psicografadas por prova criminal. O projeto, que já foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, não poderia ter sido apresentado em melhor hora. Além de preservar a segurança jurídica, ele é uma resposta objetiva àqueles que, sob a justificativa de "espiritualizar" o udiciário, confundem razão jurídica com crença religiosa.
Domingo, 25 de Maio de 2008 Versão Impressa
Carta ao Estadão
Sr. Editor,
O uso da psicografia nos tribunais surgiu, não como expressão de fé e religiosidade, mas como um novo paradigma de justiça e ciência. Aquilo que o editorial desse jornal chama de “ciência jurídica positiva” vêm sendo responsável , há séculos, por grosseiros erros judiciários, prejudicando principalmente as pessoas que não têm acesso ao direito amplo de defesa. É certo que essa modalidade de análise possa sofrer abusos maliciosos e até interpretações tendenciosas, incoerentes com a realidade, mas impedir sua manifestação legítima é equivalente a negar a possibilidade de novos conhecimentos. Provas ditas “científicas” também são carregadas de ideologia, sobretudo de natureza política e, portanto, suspeitas de faltar com na verdade. O uso de cartas psicografadas é assunto também preocupante para os espíritas, pois nem todos os médiuns são confiáveis, daí a necessidade de método e bom senso para distinguir o que é o meio e o que é a mensagem. As provas que foram historicamente aceitas nos tribunais desafiavam o paradigmas jurídicos conhecidos e colocavam em cheque as decisões de juízes e jurados, não por questões de fé ou religião, mas por evidências que não foram previstas nos processos. Tais casos não poderiam seguir a “lógica” positiva, pois esta certamente seria ridicularizada pelo senso comum.
Dalmo Duque dos Santos
Nenhum comentário:
Postar um comentário