Numa época em que o materialismo vinha ganhando força incomparável e a própria idéia de imortalidade cristã caíra nas teias do mito, a sobrevivência o Espírito ganhou um precioso aliado: as materializações de seres inteligentes e que se identificavam como habitantes de além-túmulo. Através do trabalho heróico dos médiuns de efeitos físicos, essas sessões iam muito além dos limites do fenômeno para despertar mentes inquietas com o destino e consolar corações angustiados com a perda de entes queridos. No Brasil essas experiências tiveram o auxílio pioneiro da família Prado, de Belém do Pará, seguidos por Mirabelli, Antonio Alves Feitosa, Peixotinho e próprio Chico Xavier. Os efeitos psicológicos e sociais dessas materializações são inimagináveis e talvez só podem ser mensurados em seu significado espiritual através do olhar daqueles que estão nas outras dimensões da vida e sabem do valor de tais transformações. Que o diga Fred Fígner, o nosso querido apóstolo israelita e carioca de coração.
“Em uma das vezes em que veio a público, pela imprensa, o Sr. Fred Fígner, chefe da Casa Édison, do Rio de Janeiro, afirmou ter visto sua filha falecida há muitos meses, completamente materializada, por virtude da mediunidade da Sra. Eurípedes Prado, nesta Capital. Depois desta declaração, e, aliás, antes dela, começaram a circular na cidade diversas narrativas dos sensacionais acontecimentos. Resolvemo-nos, pois, obter do Sr. Fred Fígner, hospedado no Grande Hotel, uma entrevista, na qual pudéssemos informar aos nossos leitores, com absoluta segurança, o que de verdade havia naquelas narrativas. Dirigimo-nos, assim, àquele hotel, onde fomos recebidos cavalheirosamente pelo Sr. Fígner. Formulado nosso desejo, falou:
- “Deseja o senhor que lhe relate os fenômenos por mim presenciados e produzidos com a privilegiada mediunidade da Sra. Eurípedes Prado? Pois não, Sr. Redator, com muito prazer. Vou dar-lhe alguns pormenores que presenciamos, eu e minha família, em três sessões riquíssimas de fenômenos. Começarei por lhe dizer que aqui vim, não por curiosidade minha, visto que sabia ser a materialização um fato comprovado por Crookes, em primeiro lugar, em Londres, desde o ano de 1871, quando começou, então, a hoje célebre materialização de Katie King, servindo de médium a Sra. Florence Cook, e, seguidamente, experiências idênticas relatadas por tantas outras sumidades científicas. Vim com o fito único de minorar a tristeza e a dor que acabrunhavam minha esposa, por haver desencarnado uma filha nossa muito amada. Aqui chegando, tive a desilusão de não encontrar a família Prado. Recebido pelos meus confrades, prontificaram-se eles a telegrafar ao Sr. Prado, participando-lhe minha chegada com a família, e pediram, se fôsse possível, viesse até aqui. A despeito de adoentada sua esposa, resolveu ele aceder ao apelo, aqui chegando no "Pais de Carvalho", no dia 28 de Abril uma penosa viagem de 7 dias.
No dia 1º de Maio, fêz-se uma sessão preliminar, a que estiveram presentes, além da família Prado, a família Manoel Tavares, a família Bosio e o Dr. Mata Bacelar. Materializaram-se João e um Espírito a Evangelista. Havia bastante luz e distinguiam-se os Espíritos perfeitamente, como se fossem homens com vestes brancas que andassem de um lado para o outro. Demorou-se João bastante tempo conosco, de forma que bem o pudemos ver e sentir. Minha esposa, dirigindo-se a João, contou-lhe seu sofrimento, o que atento ele ouvia. Recebeu de minha senhora umas flores que ela levara, as quais João passou para a mão esquerda. Em seguida João estendeu a mão direita à minha senhora, fazendo ela o mesmo; João passou sua mão sobre a dela, fazendo-lhe sentir que estava perfeitamente materializado. Por fim, João, sacudindo um lenço em sinal de despedida, entrou na câmara, começou a desmaterializar-se às nossas vistas, como o fizera quando se materializou. Daí a pouco, ouvimos umas pequenas pancadas que ele dava no rosto da médium para a despertar.
Esta primeira sessão me deixou completamente frio, visto que eu vira tão somente aquilo que esperava. Tudo aquilo era coisa muito natural para mim, quanto à sua realidade. Minha esposa, porém, apesar de também conhecer, de leitura, os fenômenos, ficou muito satisfeita, começando a nutrir esperanças de ver nossa filha, moça de 21 anos, desencarnada em 30 de Março de 1920.
A segunda sessão, realizada a 2 de Maio, foi, realmente, muito mais importante. Havia nessa ocasião pessoas que não conheciam os fenômenos, bem como a Doutrina Espírita, entre elas o Dr. Remígio Fernandez, o Sr. Barbosa e a Sra. Pernambuco. Materializaram-se muitos Espíritos de diversas estaturas, entre eles a nossa cara filha Rachel. Mas, devido talvez ao excessivo número de materializações, que absorveram muitos fluidos, e entre os Espíritos materializados um de nome Diana que, creio, se apresentou com um brilhante de diadema na cabeça, a materialização da nossa Rachel não era tão perfeita quanto esperávamos; no entanto,era bastante para ser reconhecida por todos nós. Nessa sessão, ela perguntou, à sua mãe, "porque aquele vestuário preto, visto que ela se sentia muito feliz".
No dia 4 de Maio fizemos outra sessão, e nesta a materialização de nossa filha foi a mais perfeita possível. Rachel apresentou-se com tanta perfeição, com tanta graça e tão ela mesma, com os mesmos gestos e modos, que não pudemos conter nossa emoção e todos, chorando, de joelhos, rendemos graças a Deus, por tamanha esmola. Era Rachel viva, pronta para ir a uma festa. A sua cabeça erguida, os seus braços redondos, o seu sorriso habitual, as suas bonitas mãos e até a posição destas, toda sua exatamente como era na Terra. Falou à mãe, pedindo-lhe exatamente que na próxima sessão viesse toda de branco como desejava e aí estava materializada. Rachel tocou todos nós com a sua mão; sentimos todos o seu calor natural e, à observação de minha esposa: “Rachelzinha, tu tinhas os cabelos tão bonitos, mostra-nos os teus cabelos”, ela entrou no gabinete e, voltando instantes depois, virou-se duas vezes, mostrando-nos seus cabelos compridos e ondulados. Aceitando as flores que lhe oferecemos, fêz sua mãe sentar-se em uma cadeira junto ao gabinete e de costas para este. Abraçou-a e beijou-a muito carinhosamente, depois lhe colocou uma rosa na blusa branca, que minha esposa vestira para ser agradável à filha, que na véspera não gostara de vê-la de preto. Na ocasião em que lhe colocou a rosa, falou-lhe de seus próprios lábios, dizendo-lhe: “Não quero que ande de preto, ouviu? Quero que venha toda de branco, assim como eu estou.” Toda essa frase minha filha a pronunciou tão clara e distintamente que todos, além de minha esposa, a ouvimos. Depois, sentando-me eu na mesma cadeira por ordem sua, acariciou-me como fizera à sua mãe, colocou uma angélica na lapela de meu paletó, apoiando-se com todo o peso de seu corpo sobre os meus ombros. Por fim, sacudindo um lenço em sinal de despedida, entrou no gabinete e desapareceu. Puxei o relógio, Rachel tinha estado aí 40 minutos. Depois saiu o João e cantou, muito satisfeito com a materialização de sua discípula.
A 6 de Maio fizemos a última sessão
O resultado foi o mesmo da anterior, com acréscimo de Rachel fazer diante de nós uma luva em parafina, de sua mão esquerda, consultando muitas vezes João, que se achava no gabinete, porém à nossa vista, durante todo o tempo em que ela trabalhava com a parafina. Logo ao se materializar, Rachel, saltando e batendo palmas, demonstrou sua satisfação por ver sua mãe toda de branco; e, ao despedir-se, pediu-lhe que levasse sua irmã Leontina às festas e ao Teatro, como fazia com ela. Rachel esteve conosco, nessa ocasião, durante duas horas.
Por fim, pedi a Rachel que me permitisse beijar-lhe a mão. O mesmo pedido foi feito por minha esposa e mais duas filhas aí presentes, além de umas 10 pessoas. Ela deu a mão a beijar à sua mãe e à menor das suas irmãs; e, aproximado-se de mim, num gesto rápido, todo seu, pegou minha mão com bastante força e beijou-a. E, sacudindo um lenço em sinal de despedida, entrou no gabinete. Não sentimos sua partida, pois estamos certos de que não será esta a última vez que a veremos. Rachel vive! Disto estava certo antes de aqui vir e continuo com a mesma certeza.
Tenho entretanto de confessar que estas duas horas e 40 minutos foram para todos nós o tempo mais feliz de nossa existência.
E permita-me que, por seu intermédio, uma vez mais agradeça ao Sr. e Sra. Prado o sacrifício que fizeram de vir aqui, e ao maestro Bosio e senhora as gentilezas de que nos cumularam, assim como a todos os confrades e amigos o acolhimento que nos fizeram. Agradeço também à “Folha do Norte” pela cessão de suas colunas.
Que Deus lhe pague!
Nogueira de Faria, O Trabalho dos Mortos (Livro de João) - FEB Editora
Nogueira de Faria, O Trabalho dos Mortos (Livro de João) - FEB Editora
FRED FÍGNER
No Brasil o primeiro a se interessar comercialmente pelas máquinas falantes foi o imigrante tchecoslovaco, de origem judaica, Frederico Figner. Menino, emigrou para os Estados Unidos e lá, já adulto, ao tomar conhecimento da invenção, que ainda funcionava de forma primitiva com rolos de cera e deixava de ser curiosidade para se transformar em atividade comercial, comprou um fonógrafo, com alguns rolos de cera, e saiu a exibi-los pelas Américas. De volta àquele país resolve explorar um mercado virgem e parte rumo ao Brasil, onde entra por Belém do Pará no final de 1891. Percebendo o sucesso de suas apresentações, envereda pelo Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Bahia e dá com os costados no Rio de Janeiro, em abril de 1892. Instala-se na Rua do Ouvidor, 135, com sua “machina que falla”, como anunciavam os jornais, sem saber que iria interferir profundamente na cultura popular do país que escolhera ao acaso para ganhar dinheiro. Das sessões diárias para a apresentação da novidade até perceber a mina de ouro, Fred Figner – como se tornou conhecido – foi um passo. Importa e comercializa aparelhos e cilindros que vendem como água, pois eram encontrados com vários preços, acessíveis e sofisticados. Com a sua famosa Casa Edison era o dono absoluto do mercado.
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FREDERICO FÍGNER (Irmão Jacob)
Frederico Fígner nasceu na madrugada de 2 de Dezembro de 1866, na casa humilde de n º 37 da rua Teynska, em Milevsko, perto de Tabor, Tcheco-Eslováquia, então Boêmia e parte do Império Austro-Húngaro. Israelita de nascimento, bebeu no lar paterno os preconceitos de sua raça contra o Carpinteiro de Nazaré. Filho de pais pobres, Fígner tinha que emigrar para o Novo Mundo, como faziam os jovens da Europa Central, naquele tempo. Aos treze anos sai do lar paterno e vai para a cidade de Bechim aprender um ofício. Aos dezesseis anos, deixa definitivamente a terra natal. No Brasil, estabeleceu-se, prosperou, conheceu uma jovem de peregrinas virtudes e alma de artista, D. Esther de Freitas Reys, filha de família ilustre. Em 1897, Frederico Fígner e D. Esther fundavam, pelo matrimônio, seu lar feliz. Desse feliz enlace nasceram seis filhos.
Frederico Fígner não teve escola superior. Foi autodidata sem tempo nem calma para estudar, pois que em lutas econômicas desde a infância; no entanto, sua missão reclamava grandes conhecimentos e ele os revelou. Possuía e manejava com segurança línguas de três famílias: eslavas, germânicas e latinas. Adquiriu conhecimentos jornalísticos suficientes para colaborar num dos maiores diários do País. Demonstrou raras capacidades técnicas em sua indústria e no comércio, gravando ele em pessoa, discos fonográficos de músicas populares brasileiras e divulgando-as por todo o território nacional. Mais tarde, quando a indústria de gravação fonográfica progrediu, ele soube orientar o progresso. Já não executava o trabalho como simples técnico, mas montava oficinas modernas de gravação, as quais, em maior escala, operavam nessa obra de distribuir por todo o Brasil o patrimônio artístico, genuinamente brasileiro. Meio século de trabalho desse pioneiro fonográfico representa uma obra imensa de unificação nacional. A ação industrial de Frederico Fígner, no tempo em que não existia o rádio tem o valor de nobre apostolado patriótico. Como divulgador industrial das máquinas de escrever, do mesmo modo, contribuiu grandemente para o progresso material do Brasil. Essa posse de conhecimentos universitários, inexplicavelmente adquiridos, revela a elevação de seu espírito, demonstra que ele não era um simples habitante da Terra, mas, sim, um missionário descido ao Planeta para colaborar em sua transformação predita e anunciada para o nosso tempo.
Foi no Brasil e quando já negociante próspero, com seu estabelecimento comercial e industrial e uma sucursal em São Paulo, que Fígner foi chamado a conhecer a Verdade. Fígner travou relações de amizade com Pedro Sayão, filho do saudoso doutrinador Antônio Luiz Sayão. Pedro Sayão, durante cerca de dois anos lhe freqüentava a loja e palestrava sobre Espiritismo e Cristianismo, sem que Fígner se impressionasse muito pelo assunto; porém, numa de suas visitas ao seu estabelecimento de São Paulo, Fígner ouviu a dolorosa história de um seus empregados, cuja esposa se achava gravemente enferma e necessitada de melindrosa intervenção cirúrgica. Ao regressar ao Rio de Janeiro, Fígner pediu a Pedro Sayão que lhe obtivesse receita para a cura da enferma de São Paulo. Veio a receita e a cura da doente, sem intervenção alguma dos médicos. Foi esse fato que impressionou Fígner a favor do Espiritismo. Já impressionado com a cura da doente mediante uma receita mediúnica, Fígner foi procurado em sua loja por um pobre pai de família desempregado, em penosa situação econômica. Ouviu-lhe o relato de suas aflições, deu-lhe um pouco de dinheiro e disse-lhe que voltasse oito dias mais tarde. Ao sair o necessitado, pela primeira vez na vida, Fígner fez um pedido ao Carpinteiro de Nazaré: “Se é como dizem os cristãos que tu tens muito poder, ajuda a esse pobre pai de família; arranja-lhe trabalho e meios de vida!” Oito dias mais tarde, voltava o homem com o sorriso dos felizes e lhe narrava: “Já estou trabalhando e brevemente virei restituir seu dinheiro, Sr. Fígner. Fui procurado por uma pessoa que me convidou para um emprego totalmente inesperado.” Fígner se entusiasmou e repetiu semelhantes pedidos, com resultados sempre positivos. Em vez de pedir a Jesus, passou a pedir à Maria e igualmente os resultados não se fizeram esperar. Encheu-se da fé que transporta montanhas e estudou com entusiasmo o Espiritismo e o Cristianismo. Passou a consagrar sua vida ao serviço dos outros. Não se sabe ao certo quando se deu essa conversão, mas em 1903 já se encontram vestígios das atividades espíritas de Fígner na Federação Espírita Brasileira.
Por ocasião da gripe espanhola, em 1918, com 14 doentes em seu próprio lar e ele mesmo adoentado e febril, passava os dias inteiros na Federação, atendendo a doentes e necessitados que lá iam, em avalanches , buscar recursos para situações aflitivas. Sua vida normal durante longos anos consistia em ir de manhã e à tarde à Federação tomar ditados de receitas de diversos médiuns, chegando a tomar de 150 a 200 receitas por dia e a dar passes em numerosos doentes. Levantava-se às cinco horas da manhã e, antes de ir à loja, ia à Federação, de onde só saía quando terminava esse serviço de tomar ditado de receitas. Às quatro horas da tarde lá estava de novo para orar e dar passes em doentes. E curava mesmo os enfermos, pois que seus “fregueses”, como ele lhes chamava na intimidade, cresciam sempre de número. Franco, leal, por vezes rude, repreendia frente a frente a qualquer companheiro que ele supunha ou fora informado haver cometido erro grave em detrimento da Doutrina. Mas se o caso se esclarecia e verificava ser injusta a recriminação, penitenciava-se com a mais comovedora humildade cristã. Contrariamente à primeira impressão que causava, era extremamente humilde e cordato. Presidia diversos grupos na sede da Federação e em seu lar. Foi Vice Presidente da Federação e depois membro do Conselho Fiscal, função que exerceu até à desencarnação. Era Tesoureiro da Comissão Pró Livro Espírita. Consumia vultosas rendas em obras de beneficência. Possuía sólidos conhecimentos da Doutrina e defendia com ardor as obras de Allan Kardec. O serviço de Fígner nas obras de assistência e no trabalho profissional afastava-o muito do lar, mas isso não prejudicava o cultivo de um afeto extremado entre pai e filhas.
Um exame atento na obra, nos conhecimentos, na ética, no caráter de Frederico Fígner nos leva à convicção de que ele foi missionário e cumpriu sua missão com perfeita segurança. Ainda nos últimos dias de sua vida, distribuía ele donativos por instituições e pessoas pobres de sua amizade, guiando-se pelo coração e nem sempre pelo cérebro, e só respeitando a fortuna das filhas. Trabalhou e serviu abnegadamente até que a enfermidade o prendeu ao leito, poucos dias antes da partida. Completou oitenta anos em 2 de Dezembro de 1946, e em 19 de janeiro de 1947, às 20 horas, partiu para o mundo espiritual, deixando abertos caminhos de luz sobre a Terra que pisara por tanto tempo. Fígner possuía todas as grandes virtudes cristãs que mais enobrecem as almas privilegiadas por alto grau de progresso e tinha o espírito prático do homem moderno que sabe reunir meios materiais para ajudar em grande escala a divulgação das idéias e os necessitados. Esse conjunto raro de capacidades espirituais, intelectuais, sociais e materiais fez dele realmente um espírita modelar, dentro da vida social, em pleno século vinte.
Zêus Wantuil, Grandes Espíritas do Brasil. FEB Editora
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