sábado, 7 de novembro de 2009


“A relação entre religião e modernidade foi amplamente discutida pelos sociólogos. Desencantamento do mundo, secularização das instituições e das relações sociais, separação entre Igreja e o Estado, emergência da ciência e da técnica enquanto saberes secularizados, enfim, perda da centralidade da religião como elemento de organização da sociedade como um todo. Muito desse debate, quando mal formulado, levou a certos impasses, como a discussão sobre “o fim da religião” no século XIX, e hoje, a meu ver, do “retorno do sagrado”. Não há dúvida de que uma leitura evolucionista do progresso levou inúmeros pensadores a imaginar a religião com um anacronismo. Diante do avanço da ciência, da técnica e da secularização, ela teria os seus dias contados. È bem verdade que o século XIX produziu também alguns sincretismos entre religião e progresso procurando mesclar pólos aparentemente tão díspares, penso em Auguste Comte e seu culto da Humanidade, e nos “fazedores de deuses”, como dizia Lênin, de Lunacharski e Gorki durante a revolução bolchevique. Mas certamente predominou uma visão simplificadora e menos sutil, conferindo à técnica, não uma primazia, mas o poder de eliminar definitivamente as crenças religiosas. No entanto, é suficiente estarmos atentos para compreender que o advento da sociedade industrial não implica no desaparecimento da religião, mas o declínio de sua centralidade enquanto forma e instrumento hegemônicos de organização social. Ou seja, o processo de secularização confina a esfera de sua atuação a limites mais estritos, mas não a apaga enquanto fenômeno social.. Nessa perspectiva, o debate sobre o desparecimento dos universos religiosos é simplesmente inconseqüente. Basta lembrar que Durkheim, quando discutia a supremacia da ciência sobre a religião, dizia que essa última de fato, do ponto de vista explicativo, perdia terreno para o pensamento científico, porém, como a ciência era para ele uma “moral sem ética”, isto é, um universo interpretativo incapaz de dar sentido às ações coletivas, o potencial das religiões, como forma de orientação de conduta, de uma ética de ação no mundo, permanecia inteiramente válido. Na verdade, a modernidade desloca,sem eliminá-lo, o lugar que ela ocupava nas sociedades passadas. O fim do monopólio religioso não coincide, portanto, com o declínio tout court da religião, sua quebra significa justamente pluralidade, diversidade religiosa, seja do ponto de vista individual, seja coletivo (em termos lógicos não há pois necessidade de imaginarmos “o retorno” de algo que nunca expirou). A sociedade moderna, na sua estrutura, é multireligiosa.”

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