segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Aristóteles e o "animais espíritas"

O que acontece quando os espíritas divergem entre si? É incompatibilidade de idéias ou disputa de poder? É normal a divisão e separação de grupos, bem como a formação de agremiações espíritas dissidentes? A disputa política mancha a honra e a pureza doutrinária das instituições espíritas. A deposição de um grupo e deserção dos seus membros é de alta gravidade ética entre os espíritas?

A resposta para todas essas dúvidas é uma só: quando se trata de política, tudo é possível, mesmo entre os espíritas. Não que a política seja algo sujo e imoral. Pelo contrário. Os espíritas, como todos os seres humanos encarnados, são no dizer de Aristóteles “animais políticos”. Fazemos política como atividade humana fundamental para viver em sociedade. Todos os nossos gestos ativos são na sua maioria gestos políticos, com a finalidade de expressar nossas vontades e necessidades, desde a decisão de levantar do sofá para tomar um copo de água, reivindicar o acesso ao banheiro ocupado abusivamente por algum membro da nossa família, bem como as decisões mais complexas e graves do nosso destino.

A antiga pólis grega, símbolo clássico de todos os espaços de exercício político, continua nos lembrando que não mudamos a nossa natureza humana e zoológica (zoopolyticon). Trazemos o potencial político no instinto gregário desde quando éramos nômades e o aperfeiçoamos quando criamos nossos endereços sedentários, sobretudo no ambiente da cidade (cidadania) ou da civita (civilidade).

Quando Allan Kardec criou a idéia do “centro espírita” é provável que estivesse imaginando o ambiente cultural das antigas cidades greco-romanas, tão amplamente cultivado nos núcleos urbanos europeus do século XIX. Centros espíritas seriam então centros culturais, locais de encontro de pessoas simpatizantes do espiritismo e naturalmente preocupadas em ampliar sua dimensão cultural para os segmentos da sociedade.

O encontro regular dos espíritas gera naturalmente os hábitos políticos decorrentes dessa reunião de necessidades e expectativas, seja de comunhão, seja de desunião de propósitos; de divergência ou de convergência de idéias. Os liderados geralmente aceitam e seguem as sugestões apontadas pelos líderes, revelando uma tendência natural de acomodação. Já os líderes natos dificilmente seguem a mesma tendência quando têm que seguir as sugestões de outros líderes. Normalmente fazem resistência, questionam, criam obstáculos, lutam para não perder a posição (status quo) que alcançaram ou que pretendem alcançar.

Tudo isso não tem nada de mal ou negatividade pois trata-se de um comportamento espontâneo, a não ser que as condições sejam muitos tensas e sem possibilidade de negociação (ceder, compartilhar, respeitar e reconhecer as ações contrárias). Aí, sim, revelariam um desvio do comportamento político natural, ou seja, explorar as possibilidades. Impedir que o “diálogo do possível” se manifeste é uma reação de inconformismo passional, de orgulho, egocentrismo que conduz aos extremos da divergência. Do contrário, tudo pode caminhar para o centro convergente, mesmo que as diferenças e particularidades persistam. Esse é o espírito original da política.

Já tivemos a oportunidade de presenciar alguns lances de disputa de poder em instituições espíritas e que tomaram diferentes rumos*, legítimos e ilegítimos, legais e ilegais, positivos e negativos. Alguns cederam ao radicalismo e inviabilizaram a continuidade do projeto; outros reconheceram a inviabilidade das suas idéias e partiram para outras possibilidades de exercício de cidadania; outros ainda cederam nos pontos mais críticos e optaram pela preservação do projeto, adiando as mudanças pretendidas. Com exceção dos primeiros, todos eram líderes que possuíam mais pontos positivos do que negativos e não se deixaram levar pelas suas paixões egocêntricas. Já os líderes radicais e extremistas cometeram duas falhas inaceitáveis na sua condição de condutores: a deserção institucional, retirando-se de forma deseducada e, mais grave, o abandono do ideal, revelando uma identidade e opinião de aparência e a falta de compromisso.
Bom seria que os espíritas aprendessem a cultivar a liderança centrada no grupo e não somente nos líderes, combatendo o comodismo e a dependência. Enquanto isso não acontece, o melhor possível certamente recai sobre a tolerância e a paciência, virtudes que os gregos antigos admiravam e que os espíritas transformaram em obrigação moral.

NOTA*

Edgard Armond, líder espírita enérgico que muitos pensam equivocadamente ter sido autoritário, interpretava e conduzia a disputa de poder nas instituições espíritas como uma oportunidade para valorizar lideranças novas e estimular a criação de novas frentes de trabalho. Sua idéia sobre esse fenômeno social era o princípio da vida celular: “dividir para multiplicar”.

O psicólogo Carl Rogers "facilitando" um encontro: liderança centrado no grupo


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