sábado, 12 de julho de 2008

Paulo e Estêvão



O cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Odilo P. Scherer, escreveu neste sábado no “Estadão” um belo artigo sobre a trajetória e a importância histórica do Apóstolo Paulo. Baseada em textos do Novo Testamento, a narrativa de Dom Odilo desperta nos cristãos e nos homens de bem um forte sentimento de alegria e dignidade humanas ao lembrar episódios marcantes da biografia do Apóstolo dos Gentios. É assim que nos sentimos quando relembramos a transformação de Saulo ocorrida na estrada de Damasco e sua luta, muitas vezes solitária, para difundir o novo ideal. Em momento algum o arcebispo faz a apologia do catolicismo e sempre se refere à Igreja como uma entidade superior às instituições humanas, a Igreja de todos nós, da Humanidade, de cristãos e não cristãos.
Enquanto lia o artigo não pude deixar lembrar o relato de Emmanuel em “Paulo e Estevão”, obra que lançou inúmeras luzes sobre esses acontecimentos, antes somente restrito aos Atos dos Apóstolos e às famosas Epístolas. Chico Xavier conta que este livro foi psicografado com a ajuda de recursos ainda incompreensíveis para a ciência humana: desdobrado em corpo espiritual, o médium tinha a sensação de estar assistindo a um filme no qual observava vivamente como expectador os acontecimentos que deveria transcrever. Por ocasião da cerimônia que lhe concedeu o título de Cidadão Paulistano, Chico também nos presenteou com uma grata revelação de que, nos temos remotos da nossa Capitania, o Apóstolo apareceu “nimbado de luz” ao padre Manoel da Nóbrega, indicando a ele as diretrizes e o futuro da sua missão fundadora no Planalto de Piratininga.
A médium Marta Galego Thomas, mais recentemente , relatou numa obra sobre o aspecto espiritual da metrópole paulistana, que as primeiras pregações dos jesuítas aconteciam ao redor de uma grande pedra, exatamente onde hoje localiza-se o prédio da Federação Espírita do Estado de São Paulo. A FEESP, foi na década de 1940 palco de acontecimentos históricos na organização do movimento espírita paulista, com a criação das Escolas de Aprendizes do Evangelho, reunindo naquela casa antigos trabalhadores da cristandade, reencarnados e operantes em atividades anônimas e de alto grau de espiritualidade. Foi nessa época que o Espírito Ismael, manifestando-se através de um médium desconhecido que passava pela rua, investiu espiritualmente sobre esses operários da FEESP a tarefa de expandir a nova evangelização em bases espíritas “para o Brasil e para mundo”, nas palavras de Bezerra de Menezes. Lembrei também da participação de Paulo nos textos mediúnicos colhidos por Kardec e da inesquecível “Epístola aos Espíritas lyoneses”, enviada por Erasto, discípulo de Paulo, lembrando a remota de ligação dos cristãos de Lyon com os apóstolos contemporâneos do Espiritismo. São os espíritas do primeiro grau, a luz, diferentes da lama e da água que ainda vivem dentro de nós. Essa é a Igreja Viva que reconhecemos, que admiramos e queremos para todos os povos.


São Paulo, 2 mil anos

Dom Odilo P. Scherer


O apóstolo São Paulo é, sem dúvida, um dos personagens mais marcantes do início do cristianismo. Judeu da diáspora, nasceu em Tarso, na província romana da Silícia, hoje na Turquia; seu nome era Saulo, provavelmente em homenagem a Saul, o primeiro rei dos hebreus. Recebeu sólida educação nas tradições religiosas do seu povo e se tornou um ardoroso membro do grupo dos fariseus, que se destacava pela observância rigorosa das prescrições mosaicas. Em nome dessas tradições, ainda jovem, passou a perseguir de maneira impiedosa os seguidores de Jesus Cristo. Os Atos dos Apóstolos referem-se a ele no primeiro relato de martírios cristãos: "E Saulo estava lá, consentindo na execução de Estêvão" (Atos 8,1).

A mudança em sua vida aconteceu quando, às portas de Damasco, ele foi fulminado e cegado por uma luz fortíssima e interpelado por uma voz a lhe perguntar: "Saulo, Saulo, por que me persegues?!" Perseguia os cristãos e queria lançá-los na prisão; ele mesmo diz que a voz era de Jesus: "Eu sou Jesus, a quem tu persegues" (cf. Atos 9, 1-22). Aquele encontro tão desconcertante provocou uma nova trajetória na vida de Saulo, que passou a ser chamado Paulo; em várias passagens de seus escritos ele conta o que lhe aconteceu perto de Damasco (cf. Atos 22; 26; Carta aos Gálatas 1).

Daí em diante, Paulo dedicou todas as suas energias à pregação do Evangelho de Cristo. Com Barnabé, Lucas, Silas, Marcos e outros companheiros, fez diversas viagens missionárias pela Ásia Menor e pela Grécia, fundando comunidades cristãs e instruindo-as, depois, com suas cartas. O privilégio da cidadania romana lhe salvou a vida diante do tribunal de Jerusalém, que ameaçava condená-lo à morte por infidelidade religiosa; por seu apelo ao tribunal de César, foi levado a Roma, onde, mesmo prisioneiro, continuou sua atividade missionária. Sofreu o martírio, por decapitação, segundo uma tradição antiga, durante a perseguição movida contra os cristãos pelo imperador Nero, pelo ano 64 dC.

Seu túmulo é conservado sob o altar principal da Basílica Romana de São Paulo Fora dos Muros, uma esplêndida edificação em estilo romano feita construir pelo imperador Constantino no século 4º; depois do incêndio devastador de 1823, foi reconstruída no seu antigo esplendor com a contribuição de organizações e grupos do mundo inteiro. Estudos arqueológicos recentes confirmaram a autenticidade histórica do túmulo do apóstolo, venerado sob o altar. A basílica é meta de constantes peregrinações de religiosos, estudiosos e turistas e uma referência para encontros ecumênicos de cristãos. Uma comunidade monástica beneditina zela pela igreja e acolhe os visitantes.

Mesmo sem endossar a afirmação de Wrede, um estudioso do início do século 20, segundo o qual é Paulo o verdadeiro fundador do cristianismo, é inegável a importância do grande apóstolo para a Igreja. Mais que os outros apóstolos e discípulos de Jesus Cristo, ele difundiu o Evangelho entre os povos e fez uma primeira aproximação da mensagem cristã com as culturas da época, dando um cunho universalista ao "caminho" vivido pelos cristãos. Isso foi fundamental para que, ao longo dos séculos, os povos - sem deixarem de lado a sua identidade cultural - pudessem conviver na mesma grande comunidade de fé.

Na sua pregação, Paulo já faz um primeiro desenvolvimento da "doutrina cristã"; partindo do Evangelho de Jesus Cristo, ele reflete sobre os vários temas centrais da fé cristã, como as afirmações sobre Deus e a clara configuração trinitária de Deus. Por outro lado, Paulo desenvolveu muito a reflexão sobre Jesus Cristo, abordando aspectos relativos à obra, aos ensinamentos e à pessoa do Mestre. Sua cristologia foi determinante para a definição das verdades da fé cristã nos concílios ecumênicos dos primeiros séculos do cristianismo.

A cosmovisão de Paulo e sua maneira de entender a existência humana neste mundo, a convivência e as relações sociais e os valores morais também foram e são determinantes para o cristianismo. Sua reflexão sobre a Igreja é bem estruturada e parte sempre da experiência do seu próprio encontro com Cristo; mas também tem em conta sua missão nas comunidades que fundou e acompanhou e suas relações com Pedro, outros apóstolos e os demais companheiros de missão. Ele tem clara consciência de não ser o fundador da Igreja, mas colaborador numa causa bem maior que seus projetos pessoais. Para ele, a Igreja não é uma estrutura abstrata e meramente funcional, mas uma realidade viva, através da qual Jesus Cristo continua presente e sua missão se prolonga no mundo.

Paulo nasceu, segundo os estudiosos, entre os anos 6 e 9 depois de Cristo. Para comemorar os 2 mil anos do nascimento do grande apóstolo, o papa Bento XVI abriu no dia 28 de junho passado um ano santo especial. Durante este período, a Igreja convida às práticas habituais previstas para os anos jubilares, como peregrinações aos "lugares paulinos", a busca da reconciliação e do perdão de Deus e as celebrações especiais em igrejas localmente estabelecidas como metas de peregrinação. Para conhecer melhor o apóstolo é recomendada, de maneira especial, a leitura e o estudo dos escritos de São Paulo, no Novo Testamento.

Fica o registro deste aniversário histórico. Nossa cidade, o Estado e um número considerável de instituições e organizações da sociedade, inclusive nossa Arquidiocese e este jornal, levam o nome de São Paulo. Mesmo sem referência direta à fé religiosa, resta o fato que o apóstolo é um personagem da História da humanidade. Bem mais do que muitos filósofos, conquistadores e aventureiros, e sem recorrer à violência, ele influenciou a cultura de muitos povos.

Dom Odilo P. Scherer é cardeal-arcebispo de São Paulo

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