No programa Pinga Fogo da antiga TV Tupi, em 1971, Chico Xavier foi questionado pelo jornalista e escritor João de Scantimburgo sobre a natureza da sua fenomenologia psicográfica: se era realmente mediunidade ou se produto do “inconsciente”, conceito freudiano que atribui tais fenômenos à memória espontânea do próprio médium. O jornalista questionou também por que filósofos de alto nível intelectual como Aristóteles, Platão, Hegel ou Nietzsche não eram psicografados. Chico simplesmente respondeu perguntando se eles mesmos, os filósofos, não seriam médiuns?
Essa é uma questão que continua em debate e nos faz recordar casos como o do escritor norte-americano Stephen King, autor de obras rotuladas pelos críticos como “horror fantástico”, mas também de trabalhos comoventes e impressionantes, relatando fenômenos e experiências que certamente poderiam ser classificadas como espíritas. Seria Stephen King um médium ou simplesmente alguém com a imaginação ou um “inconsciente” muito fértil?
A trajetória desse escritor é tão curiosa como a da maioria dos seus pares artistas, quase sempre envolvidos em situações de graves provas existenciais. Essa é base vivencial das futuras experiências na criação e expressão, principalmente na literatura, onde as narrativas detalhadas devem ser extremamente realistas e capaz de levar o leitor ao clímax emocional mais próximo possível daquilo que os personagens estão experimentando. Das inúmeras obras publicadas por King as que mais nos chamam a atenção são aquelas cujas situações são compatíveis com a concepção científica e filosófica do Espiritismo e que, talvez por isso mesmo, foram melhor absorvidas pelos roteiristas e adaptadas para o cinema . É o caso de “A Hora da Zona Morta” (The Deat Zone), “O Iluminado” (The Shining) e “À Espera de um Milagre”(The Green Mile ) , textos que tem como ponto central as situações de prova de médiuns com diferentes manifestações fenomênicas.
No primeiro o médium John Smith (Christopher Walken) desenvolve a psicometria premonitória, tocando objetos, pessoas ou acessando pela percepção extra-sensorial os locais onde as situações deverão ocorrer. O ápice da sua carreira é quando o médium encontra um político populista e demagogo (Martin Sheen), que ele identifica como o futuro presidente dos EUA e que vai desencadear uma guerra nuclear contra os soviéticos. Era 1983 e a Guerra Fria estava atravessando a sua pior crise política.
No segundo, o zelador Jack Torrance (um escritor frustrado, que o próprio KIng admitiu ser ele) e o filho são médiuns clarividentes, sendo a criança o pivô das situações mais perigosas, pois o adulto entrega-se ao fascínio de espíritos maléficos e vingativos. Há um terceiro médium, o cozinheiro do hotel, que se comunica por telepatia com o menino e volta para salvar mãe e filho da fúria obsessiva do pai, assustadoramente interpretado por Jack Nicholson. O Iluminado é apavorante exatamente porque tudo que acontece é possível em casos de obsessão, sem falar que é uma obra-prima do suspense, cuja direção de Stanley Kubrick superou a maestria do seu mestre Alfred Hitchcock. Vimos o filme pela primeira vez em 1980, no antigo e demolido Cine Iporanga, de Santos, hoje transformado num enorme residencial-shopping. O filme é carregado de cenas inadequadas para os medrosos e realmente não dá para assistir sozinho.
E finalmente a impressionante história de Paul Edgecomb (Tom Hanks), o chefe da guarda de uma prisão da Louisiania nos anos 30, e um de seus prisioneiros, John Coffey (Michael Clarke Duncan). O livro foi lançado em 1996 e o filme em 1999. John Coffey é um típico negro analfabeto e simplório, condenado à morte pelo assassinato de duas crianças brancas. Coffey possui clarividência e psicometria, bem como uma curiosa mediunidade de cura que se manifesta através de fluidos parecidos com centenas de insetos que saem pela sua boca na hora do transe. A esposa do diretor da prisão tinha uma grave moléstia psíquica ou obsessiva – produto da mediunidade reprimida- e é curada pelo condenado numa arriscada operação na qual Coffey tem que ser levado até a residência da enferma. Numa das cenas o médium declara, em lágrimas, que não imaginava que a sua provação seria tão dolorosa.
Os relatos de King são mais do que simplesmente efeito do inconsciente e fazem inveja a qualquer escritor, principalmente os que se consideram muito criativos e auto-suficientes, a ponto também de dispensar qualquer tipo de influência fora do seu campo de ação mental . Outro detalhe: especificamente nesses textos, King demonstra uma enorme diferença de estilo e diversidade vivencial daquelas que são empregadas e reveladas nos seus demais livros de ficção.
Também há de se notar como muita acuidade que os respectivos diretores e profissionais que transformaram essas narrativas em linguagem fílmica também não são pessoas comuns, cujos “talentos” vão muito além do profissionalismo técnico.
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