sábado, 13 de março de 2010

A cosmovisão e o imaginário dos espíritas

Cena de "Amor além da Vida", concepção "impressionista" do mundo espiritual.


Por mais que a clareza conceitual doutrinária do Espiritismo nos faça entender como funcionam as coisas, a idéia que fazemos do mundo espiritual acontece quase sempre como um produto do nosso imaginário. A visão de mundo que nos foi proporcionada pela doutrina espírita nem sempre corresponde ao desenho mental que fazemos das coisas que ocorrem no mundo espiritual. Não temos ainda uma imagem integral do que seria o mundo dos Espíritos. Nem poderia ser outra forma, já que a única maneira de desvendar esse mistério é a mediunidade em suas múltiplas manifestações e limitações dos médiuns. Dependemos deles - ou de nós mesmos, já que somos todos mediadores – para ter acesso a essas verdades que ainda se nos apresenta como uma realidade fragmentada e composta de inúmeros pontos de vista. Emmanuel já nos descreveu isso em incontáveis metáforas. Duas delas são inesquecíveis: a do peixinho que mora num pequeno aquário e que não consegue vislumbrar a grandeza do oceano; e a imagem da Verdade, representada nos pedaços de um imenso espelho que se quebrou e do qual só termos pequenas partes para observar.

O imaginário dos espíritas foi amplamente formado pela literatura mediúnica dos romances e crônicas de autores desencarnados. Cada um deles contribuiu de maneira significativa para influir na cosmovisão ou concepção que temos da vida espiritual e que depois foi sendo edificada com as nossas referências pessoais. Culturalmente, a maioria dos espíritas desencarna e se surpreende com a vida extra-carne exatamente como aconteceu na experiência de André Luiz. Ele é o mais influente na forma como imaginamos as coisas no Além. Tanto que, quando nos deparamos com outras descrições ficamos chocados ou então desconfiados ao encontrar referências que não são aquelas que lemos em Nosso Lar, nossa mais importante cartilha de “alfabetização” e contado com a “geografia” espiritual. A maioria também confia nas informações porque confia nos médiuns. Quando lemos, por exemplo, as crônicas de Silveira Sampaio, pela mediunidade de Zíbia Gasparetto, essa sensação aumenta, pois o universo descrito ali é simples, porém cheios de novidades referenciais. Em outros autores as coisas são mais simplificadas ainda, o que certamente nos conduz à uma rejeição espontânea. Interessante lembrar que Humberto de Campos, embora com altíssimo potencial descritivo literário e parceria com o maior médium do século, limitou-se a dar notícias como se fosse um simples repórter radiofônico. Seus textos são pobres em imagens do mundo espiritual , porém riquíssimos no realismo factual. Será que foi proposital?

Os exemplos são muitos e ficaríamos horas aqui falando deles e dos detalhes curiosos dessas “revelações” publicadas em livros e também nos filmes. Colocamos essa palavra entre aspas porque o sentido de revelação é sempre algo muito pessoal. Não devemos esquecer que a grande maioria dessas narrativas são apenas janelas pelas quais os autores estão olhando e descrevendo o que acontece dentro dos limites da suas visões, dos valores e crenças que formam também suas culturas e imaginários. Mesmo assim é sempre atraente conhecer essas impressões. Mas a regra essencial de navegação no mundo espiritual continua sendo essa anotação de Mateus (6.21): “Onde estiver o seu tesouro aí também estará o teu coração”


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