quarta-feira, 31 de março de 2010

Verticalizar para enxergar

São Tomé, o Incrédulo, por Caravaggio


“Os fariseus e escribas tiraram a chave do conhecimento e a ocultaram. Nem eles entraram nem permitiram entrar os que querem entrar. Vós, porém, sede inteligentes como as serpentes e simples como as pombas”. Tomé –39*


O Evangelho até pode ser lido, mas não pode ser compreendido pelo critério lógico-racional. A lógica é uma conexão de sentidos exatos e invariáveis, que se aplica somente aos fenômenos objetivos. Já a temática evangélica é essencialmente ilógica e poética, porque está estruturada numa conexão inversa, de sentidos inexatos, variáveis, de pessoa para pessoa, de ponto de vistas diversos, onde cada caso é um caso, de diferentes percepções.

Quando aplicamos o modelo lógico-racional na leitura evangélica ela geralmente se torna rude, ridícula, vulgar e se afasta da essência espiritual que lhe caracteriza. O significado oculto, no sentido pedagógico, torna-se obscuro e permanece contraditório aos olhos comuns da inconsciência. Daí a reação irritante e a sensação de impotência racional que nos ocorre quando experimentamos esse choque entre o objetivo e o subjetivo. Tentamos respirar num ambiente onde as guelras do pensamento deveriam ser substituídas pelos pulmões do sentimento. Peixes fora d’água! É assim que nos comportamos quando intelectualizamos o Evangelho. Restringir o Evangelho dentro dos modelos filosóficos sistemáticos, sobretudo na lógica materialista aristotélica, é violentá-lo até mais completa asfixia moral.

Essa é a causa principal da enorme diferença do Evangelho das demais obras de filosofia existencial. Aos nossos olhos racionais ela destoa de forma gritante exatamente porque, nas outras, os problemas são medidos pela régua positiva, enquanto nas máximas do Cristo tal tipo de mensuração não funciona, porque é inadequada. É o que se pode chamar de conflito entre a leitura horizontal versus a leitura vertical. Na primeira, até vemos uma “lógica”, mas logo ocorre a incompatibilidade de conceitos e impressões; na segunda, lendo “em pé” e não “de quatro”, conseguimos sintonizar pela superconsciência a dimensão psicológica das coisas. Então, Jesus se nos apresenta como um holograma existencial, no qual temos que verticalizar o nosso olhar para enxergar um pouco mais além dos limites da razão. Talvez tenha sido isso que ocorreu com o apóstolo Tomé nesta cena enigmática e impressionante, na qual compreendeu e ingressou definitivamente no verdadeiro sentido do “Reino de Deus”.

“Disse Jesus aos discípulos: Comparai-me e dizei-me com que vos pareço eu.

Respondeu Simão Pedro: Tu és semelhante a um anjo justo.

Disse Mateus: Tu és semelhante a um homem sábio e compreensivo.

Respondeu Tomé: Mestre, minha boca é incapaz de dizer a quem tu és semelhante.

Replicou-lhe Jesus: Eu não sou teu Mestre, porque tu bebeste da Fonte borbulhante que te ofereci e nela te inebriaste.

Então Jesus levou Tomé à parte e afastou-se com ele; e falou com ele três palavras. E quando Tomé voltou a ter com seus companheiros, estes lhe perguntaram: Que foi que Jesus te disse?

Tomé lhes respondeu: Se eu vos dissesse uma só das palavras que ele me disse, vós havíeis de apedrejar-me – e das pedras romperia fogo para vos incendiar.”

Mas a leitura vertical, além dos limites da razão, se não significa a estagnação intelectiva dos conceitos evangélicos, também nada tem a ver com a sua regressão aos graus de compreensão e expressão abaixo do nível de consciência racionalizada, quase sempre manifestada no imaginário místico exótico e confuso, exteriorizado nas práticas ritualísticas. Também existem níveis de compreensão e expressão místicas cujas curvas de sensibilidade se equilibram com a razão e assumem o sentido poético e filosófico diferenciados dessas manifestações populares e pitorescas do cristianismo católico-romano e protestante.

Os espíritas tradicionais, embora ainda ligados às suas raízes religiosas mais remotas, cuja tônica principal é o medo e o sentimento de culpa, já possuem condições, senão espirituais, mas intelectuais de romper com esses conceitos ( na verdade preconceitos) ainda materializados das idéias cristãs. Não precisam mais dos sacramentos, mas também não precisam cair no ridículo de praticarem o culto à deusa Razão ou casarem-se numa Igreja Positivista. Deveríamos, pelo menos, nos dedicar ao exercício da reformulação íntima dessas formulações dogmáticas da relação Homem-Deus para assumirmos uma religiosidade mais livre, um misticismo mais introspectivo e harmônico com o mundo exterior. Dissemos exercício de reformulação porque em termos de Evangelho não existe erro ou pessoas erradas; existem, sim, diferentes graus de compreensão e expressão, cujas estruturas são sempre dinâmicas e que mudam em sentido crescente, segundo as necessidades pessoais de cada ser.

Talvez tenha sido esse o motivo pelo qual esse texto apócrifo* de Tomé, ou atribuído a ele, não tenha entrado para o rol dos textos “sagrados”. Isto porque , em nenhum momento, encontramos nele motivos e pretextos para o ritual exterior, para o misticismo tolo, para o abuso de poder, a hierarquia sacerdotal e muito menos para os privilégios institucionais que marcariam a fundação das chamadas igrejas cristãs.


Dalmo Duque dos Santos, in Portal do Espírito, 2005

Referência : O Quinto Evangelho, de São Tomé - 13 e 13-A, encontrado no Egito em 1945, traduzido em 1976 por Humberto Rodhen a partir da versão francesa de Philip de Soares). Editora Matin Claret.


Ressurreição na prática:

restrição a armas poupou 13 mil vidas

Ressurreição na prática: restrição a armas poupou 13 mil  vidas

Estadão 30/03 - Wilson Tosta / RIO

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da PUC-Rio relaciona a queda no número de homicídios no Estado de São Paulo, entre 2001 e 2007, ao crescimento na apreensão de armas - sobretudo após o Estatuto do Desarmamento entrar em vigor, em dezembro de 2003. O trabalho aponta que, a cada 18 armas apreendidas, foi poupada uma vida.

Segundo a pesquisa, realizada por Daniel Cerqueira, do Ipea, e João Manoel Pinho de Mello, da PUC-Rio, 13 mil pessoas deixaram de ser assassinadas no Estado no período em consequência da apreensão de armas. Ao mesmo tempo, os crimes contra o patrimônio subiram cerca de 20%. Entre eles, os furtos de veículos ficaram estáveis e outros furtos subiram 30%, mostrando que não houve queda generalizada na criminalidade. Também não aumentou o número de prisões.

"A única explicação consistente com a evolução do padrão de criminalidade contra a pessoa e contra o patrimônio entre os municípios paulistas, ao longo do período analisado, tem a ver com o desarmamento", diz Cerqueira. Ele fez o estudo Menos armas, menos crimes: o emblemático caso de São Paulo, ainda inédito, como parte da tese de doutorado em economia na PUC-Rio, sob orientação de Mello, um PhD em economia pela Universidade de Stanford. Para a pesquisa, foram usadas informações da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo e do Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde. O trabalho utiliza cálculos matemáticos complexos, além de variáveis que permitem correlacionar armamento e mortes no Estado.

Estatuto

O texto destaca que, de 2001 a 2007, foram apreendidas 228.813 armas no Estado. Segundo a pesquisa, o estatuto, sancionado em 22 de dezembro de 2003, potencializou os esforços de desarmamento, porque restringiu a possibilidade de o cidadão ter acesso a arma de fogo, aumentou o custo de aquisição e registro de armamento e fez subir o risco para o indivíduo de circular armado nas vias públicas (o porte ilegal passou a ser crime inafiançável). No mesmo período, cresceram as lesões corporais dolosas, indicando que muitas disputas violentas antes resolvidas à bala viraram brigas com menor potencial ofensivo.

Na análise da trajetória dos homicídios no período, tomando janeiro de 2001 como base 100 dos números, chega-se a dezembro de 2003 com 80 e, a partir daí, o desempenho para baixo se acentua, chegando a 40 em janeiro de 2007. Nos latrocínios, também partindo de 100 no mesmo mês e ano, sobe-se a pouco menos de 160 em janeiro de 2002, recuando para pouco mais de 100 em dezembro de 2003. Em janeiro de 2007, chegara a menos de 40. Os roubos no Estado foram de 100 a pouco mais de 110, os furtos de veículos começaram em 100 e terminaram em pouco menos de 100, e os outros furtos foram de 100 a mais de 120.

"Os resultados se mantiveram estatisticamente significativos, não apenas ratificando a ideia de "menos armas, menos homicídios", mas ainda indicando que a queda (...) não se deveu apenas a uma diminuição da circulação das armas nas vias públicas, mas também pela diminuição do estoque (...)", diz o texto.


PARA ENTENDER

Alta nos roubos e homicídios em 2009

O Estado de São Paulo registrou aumento nos índices de criminalidade no ano passado. Balanço da Secretaria da Segurança Pública indicou que os roubos em geral, por exemplo, cresceram 18% em 2009 em relação ao ano anterior. O número de roubos de veículos também teve alta no Estado. Foram 177.183 casos, em 2009, ante 159.199, em 2008. A pasta atribuiu a diferença à subnotificação, afirmando que a greve da Polícia Civil em 2008, entre 13 de agosto e 13 de novembro daquele ano, causou uma redução de 21% nos registros das ocorrências de roubos e furtos. Por isso, afirma, é impossível fazer a comparação.

As estatísticas do ano passado mostraram também que o índice de assassinatos voltou a crescer em todo o Estado após uma década. Foram 4.557 mortes registradas em 2009, contra 4.426 em 2008.


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