sábado, 31 de janeiro de 2009

A mansão e o templo interno de Figner

Mansão de Figner na rua Marquês de Abrantes, no Flamengo


Na maioria das biografias relacionadas ao mundo artístico e ao mercado fonográfico Fred Figner quase sempre aparece como um imigrante de origem judaica e proveniente da antiga Tchecoslováquia, primeiro radicado nos EUA e depois estabelecido e naturalizado no Brasil. Poucas falam da trajetória do proprietário da Casa Edson como militante espírita, menos ainda da revelação da sua identidade como Irmão Jacob, no livro “Voltei”, psicografado por Chico Xavier. Mesmo assim, nesses relatos biográficos quase sempre também aparece a obra filantrópica do empresário, apontando-o, por exemplo, como doador da área onde foi construído o Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro. O mais recente relato biográfico de Figner rompeu esse silêncio e mostrou ao público-alvo do livro – artistas e admiradores de arquitetura e patrimônio histórico – o outro lado da experiência existencial do empresário. O livro de Marcos Moraes de Sá não trata exclusivamente da apresentação da antiga residência de Figner como exemplo e expressão da ascensão social burguesa no início do século XX. Mostra também imagens belas e raras da vida familiar de Fred no celebrado reduto doméstico, hoje transformado em sede do Arte Sesc, no bairro do Flamengo. É uma leitura verbal e visual imperdível para esse público culto, mas também obrigatória e deliciosa para o leitor espírita que conhece Figner sob três aspectos: o imigrante e empresário próspero, o ser humano convertido ao espiritismo e militante da doutrina e finalmente o Espírito, que volta preocupado em alertar os confrades sobre os equívocos da militância doutrinária e a prática da caridade. Essa última vivência – o problema da iluminação pessoal - tem sido objeto não de curiosidade, mas intenso interesse daqueles que já percebem os diferentes graus da capacidade de compreensão e aplicação da filosofia espírita

“Antes de 19o3, Fred Figner adota a doutrina espírita de Allan Kardec como sua religião, da qual participa ativamente até o fim de sua vida. A apresentação do espiritismo a Figner se deu por intermédio de Pedro Sayão, pai da cantora lírica Bidu Sayão. Desde então, a abnegação ao próximo e a caridade passam a ser uma constante na vida de Fred Figner. Ele fez parte da Federação Espírita Brasileira como vice-presidente, tesoureiro e membro do Conselho Fiscal, e divulgou a religião da doutrina em uma coluna do jornal Correio da Manhã, que assinou até o seu falecimento.

Figner é considerado uma figura memorável nos quadros do espiritismo cristão brasileiro e contribuiu, segundo registros, “com vultosas rendas em obras de beneficência” para diversas instituições, um filantropo dos mais legítimos e dedicados. Sua participação, contudo, não era feita à distância. Todos os dias, antes de ir para a empresa, prestava assistência na Federação e para lá retornava após a quatro horas da tarde.
Sua caridade era tão explícita que, em 1918, durante o surto de gripe espanhola, que não raramente conduzia à morte, ele acolhe 14 enfermos em sua própria casa, mesmo estando adoentado e febril. Por solicitação da cantora e atriz Pepa Delgado, Figner doa um terreno de sua propriedade em Jacarepaguá para a construção do Retiro dos Artistas. “...não deixou jamais que os bens materiais o impedissem de ver e amparar os mais necessitados que lhe cruzavam o caminho. Faleceu aos 81 anos de idade, em 19 de janeiro de 1947, 25 anos após naturalizar-se brasileiro”.

Outra biografia


Pepa Delgado, a Casa Edson, na rua do Ouvidor, e a imagem mais conhecida de Fred Figner


Frederico Figner nasceu na madrugada de 2 de dezembro de 1866, na casa humilde de n.º 37 da rua Teynska, em Milevsko, perto de Tabor, Tchecoslováquia, então Boêmia e parte do Império austro-húngaro. De origem judaica nascido na Republica hoje chamada Eslováquia, viveu no lar paterno os preconceitos de sua raça contra o carpinteiro de Nazaré. Na verdade, porém, Figner, como muitos outros judeus, não tinha religião alguma, deixou sua casa aos 13 anos de idade em busca de seus ideais. Era, portanto, compatriota de outro missionário que como ele vinha cumprir sua tarefa no Brasil, durante longa existência como brasileiro, entre os melhores, Francisco Valdomiro Lorenz, nascido em Zbislav, perto de Tcháslav, e chegado ao Brasil dois anos depois de Figner. Ambos vinham da Pátria dos grandes mártires do Cristianismo João Huss e Jerônimo de Praga, divulgar aqui os ideais superiores que conduziram os dois heróis aos tormentos da Inquisição. Figner e Lorenz gravitaram para a Federação Espírita Brasileira, que era muito jovem quando eles chegaram ao Brasil. Levava como modelo de conduta a tenacidade dos pais. Era o exemplo a imitar para vencer na vida. Uma tempestade violenta foi o único incidente da travessia, mas foi-lhe rude a luta para adquirir estabilidade econômica de sorte a manter-se e ajudar os pais e irmãos. Estados Unidos, México, América Central e, finalmente, América do Sul, foram seus campos de luta econômica. Em 1892 estabeleceu-se no Rio de Janeiro onde, entre outras coisas, fundou a famosa Casa Edison e ajudou a divulgar a máquina de escrever em todo o Brasil. Estabeleceu-se, prosperou, conheceu uma jovem de peregrinas virtudes e alma de artista, D. Esther de Freitas Reys, filha de família ilustre.
Em 1897, Frederico Figner e D. Esther de Freitas Reys fundavam, pelo matrimônio, seu lar feliz. Recebia ele o prêmio de suas grandes lutas de trinta anos, mas não sonhava repouso, que não era ideal de seu caráter vibrante. Desse feliz enlace nasceram seis filhos: Rachel, Aluízio, Gabriel, desaparecidos do mundo antes do venerado genitor; Leonilda, Helena e Lélia, muito devotadas ao seu velho pai. Foi no Brasil e quando já negociante próspero, com seu estabelecimento comercial e industrial no Rio de Janeiro e uma sucursal em São Paulo, que Figner foi chamado a conhecer a verdade. Nos últimos anos do século passado ou nos primeiros deste século, Figner travou relações de amizade com Pedro Sayão, filho do saudoso doutrinador Antônio Luís Sayão, pai da célebre cantora Bidu Sayão. Pedro Sayão, durante cerca de dois anos, lhe freqüentava a loja e palestrava sobre Espiritismo e Cristianismo, sem que Figner se impressionasse muito pelo assunto; porém, numa de suas visitas ao seu estabelecimento de São Paulo, Figner ouviu a dolorosa história de um seu empregado, cuja esposa se achava gravemente enferma e necessitada de melindrosa intervenção cirúrgica. Ao regressar ao Rio, Figner pediu a Pedro Sayão lhe obtivesse receita para cura da enferma de São Paulo. Veio a receita e a cura da doente, sem intervenção alguma dos médicos. Foi esse fato que inclinou Figner a favor do Espiritismo. Já impressionado com a cura da doente mediante uma receita mediúnica, Figner foi procurado em sua loja por um pobre, pai de família desempregado, em penosa situação econômica. Ouviu-lhe o relato de suas aflições, deu-lhe um pouco de dinheiro e disse-lhe que voltasse oito dias mais tarde. Ao sair o necessitado, pela primeira vez na vida Figner fez um pedido ao Carpinteiro de Nazaré : “Se é como dizem os cristãos que Tu tens poder, ajuda a esse pobre pai de família; arranja-Lhe trabalho e meios de vida!” Oito dias mais tarde, voltava o homem com o sorriso dos felizes e lhe narrava: “Já estou trabalhando e brevemente virei restituir seu dinheiro, Sr. Figner. Fui procurado por uma pessoa que me convidou para um emprego inteiramente inesperado”. Figner se entusiasmou e repetiu semelhantes pedidos, com resultados sempre positivos. Em vez de pedir a Jesus, passou a pedir a Maria e igualmente os resultados não se faziam esperar. Encheu-se de fé que transporta montanhas e estudou com entusiasmo o Espiritismo e o Cristianismo. Passou a consagrar sua vida ao serviço dos outros.
Não se sabe ao certo quando se deu essa conversão, mas em 1903 já se encontram vestígios das atividades espíritas de Figner na Federação Espírita Brasileira.
Por ocasião da gripe “espanhola”, em 1918, com 14 doentes em seu próprio lar e ele mesmo adoentado e febril, passava os dias inteiros na Federação, atendendo a doentes e necessitados que lá iam, em avalanches, buscar recursos para situações aflitivas. Sua vida normal durante longos anos consistia em ir de manhã e a tarde à Federação tomar ditados de receitas de diversos médiuns, chegando a tomar 150 a 200 receitas por dia e a dar passes em numerosos doentes. Levantava-se às cinco horas da manhã e, antes de ir à loja, ia à Federação, de onde só saía quando terminava esse serviço de tomar ditados de receitas. Às quatro horas da tarde lá estava de novo para orar e dar passes em doentes. E curava mesmo os enfermos, pois que seus “fregueses”, como ele lhes chamava na intimidade, cresciam sempre em número.
Como propagandista da Doutrina, manteve sempre uma seção no “Correio da Manhã” que era lida no País todo. Em 1921 polemicou com o Padre Florêncio Dubois pela “Folha do Norte”, do Pará. Promoveu a publicação de muitos livros, custeando as edições. Com uma disciplina digna de louvores dividia seu tempo entre a atividade profissional e os afazeres espíritas, chegando a presidir diversos grupos na sede da FEB e em seu lar. Promoveu a publicação de muitos livros, sempre custeando as edições. Viajando ao exterior buscou contato com o médium Willy Hope e encontrou-se na Inglaterra com Sir Arthur Conan Doyle.
Em 1920 perdeu a filha primogênita, e sua esposa ficou inconsolável. Ouvindo falar da médium de materialização D. Ana Prado, de Belém do Pará, decidiu-se a partir para o Norte. No dia 1º de abril de 1921, embarcou com toda a família. O que sucedeu naquelas sessões acha-se relatado no livro do Dr. Nogueira de Faria, intitulado O Trabalho dos Mortos, pela senhora D. Esther Figner, esposa de Frederico Figner, a qual, apenas regressando das sessões e assistida por sua filha Leontina, escrevia relato minucioso de tudo que ocorrera. (Ver neste blog a postagem Rachel Vive! )
O serviço de Figner nas obras de assistência e no trabalho profissional afastava-o muito do lar, mas isso não prejudicava o cultivo de um afeto extremo entre pai e filhos. Amavam-se com ardor e respeitavam reciprocamente as idéias e crenças particulares de cada um. Trabalhou e serviu abnegadamente até que a enfermidade o prendeu ao leito, poucos dias antes da partida. Completou oitenta anos em 2 de dezembro de 1946, e em 19 de janeiro de 1947, às 20 horas, partiu para o mundo espiritual, deixando abertos caminhos de luz sobre a Terra que pisara por tanto tempo.

Marinei Ferreira Rezende – www.ponteiro.com.br

sábado, 24 de janeiro de 2009

América para todos

Barack Omaba preparando o discurso de posse: esperança, expectativa e apreensão.


Martim Lhuter King: marcha pelos direitos civis e o discurso do "sonho de igualdade" em Washinton.


Mais uma vez o mundo volta os olhos para a grande nação norte-americana, olhares de admiração, esperança e também muita apreensão. O jovem presidente eleito Barack Obama é o primeiro fenômeno político do século XXI, causando a mesma expectativa dos seus antecessores históricos. A crise econômica que todos temem têm as mesmas características daquela que precipitou as nações no inesquecível conflito mundial de 1939. Sob os ombros do novo presidente pesam a responsabilidade de administrar desafios e prover seus tutelados de força moral para suportar as graves provações que certamente atingirão à todos nós. Suas origens e trajetória política não deixa dúvidas sobre as suas ligações espirituais com a grande Fraternidade que inspira os destinos da América do Norte.

Impossível refletir sobre esse importante acontecimento sem lembrar que os Estados Unidos – à parte das suas tristes incursões imperialistas - representa para a civilização contemporânea o símbolo da liberdade humana e das transformações sociais aguardadas por todos os povos. É certamente uma nação governada por gênios espirituais que vigiam severamente seus passos rumo ao futuro. Espíritos seriamente comprometidos com as causas universais ali se concentraram para dar vazão às suas idéias e vivências no campo das inovações que vem alterando radicalmente o comportamento das coletividades em todo o planeta. Berço das lutas políticas do liberalismo, da abolição da escravatura e também do espiritismo, as ex-colônias britânicas jamais perderam sua vocação de laboratório social, ativismo e mudanças contra a miséria e a opressão.

Herdeira da cultura e de grande parte dos débitos espirituais britânicos adquiridos na antiguidade romana, a América atraiu para o seu seio milhões de almas que no passado abusaram da liberdade e da riqueza, agora comprometidas na construção de um novo conceito de vida e prosperidade. Foi esse mesmo espírito libertário norte-americano que mais tarde atingiria a Europa revolucionária e as demais regiões da América Latina, incluindo o Brasil.

No século XX , marcadamente nas décadas de 1960 e 1970, explodiram nos EUA a mais influente revolução de costumes já registrada na história. Na mesma região da Califórnia, na década de 1980, quando o mundo agonizava numa grave crise existencial e sob o risco de um catástrofe nuclear, surge uma nova onda renovadora formada por artistas, filósofos e cientistas, quebrando antigos conceitos e paradigmas, para mostrar ao mundo os novos rumos da civilização do terceiro milênio. Eram os “conspiradores” da Era de Aquário, inteligências renascidas na própria América ou atraídas de inúmeros lugares que ali se reuniram para implantar uma nova ordem mental planetária.

É certo que o mundo não esquece as tragédias militares causadas pelos espíritos mais ambiciosos e belicosos daquele país (sempre resgatadas em episódios coletivos dolorosos), mas não podemos esquecer daqueles que não abandonam sua missão de iluminar e libertar os povos através da paz e da sabedoria.

Deus salve a América!


A poetisa Emily Dickinson, o poeta Walt Whitman e a romancista Harriet Beecher Stowe: liberdade e espiritualidade.

O senador Daniel Webster, numa gravura com Lincoln e este com a ex-escrava e ativista Sojourner Truth.

Os luminares americanos e suas afinidades com a filosofia espírita: Thomas Paine, Benjamin Franklin ( revisando a Constituição com John Adans e Thomas Jefferson) e David Tureau.

América espiritualista: os populares rappings; Lincoln recebendo mensagem do Espírito Daniel Webster pela médium Nettie Colburn Maynard sobre a abolição de escravos; e aparecendo para Mary Todd numa famosa fotografia espírita.

domingo, 18 de janeiro de 2009

Luciano e a tradição rustenista da FEB

Luciano dos Anjos é constantemente rotulado por todos nós de “sujeito polêmico”, como se a polêmica fosse crime e a omissão fosse virtude. Diferente dos que temem expor suas opiniões em público - uns por hipocrisia e outros simplesmente por não tê-las – o célebre ativista e ex-assessor da FEB nunca escondeu suas preferências e sempre respondeu com a mesma intensidade com que foi criticado.

Para alguns, polêmica é coisa séria; para outros é exibicionismo. Há também os que acham a polêmica um assunto enfadonho e medíocre, falta de imaginação e criatividade. Para nós, a questão do corpo de Jesus é , no mínimo, historicamente curiosa no movimento espírita. A verdade é que não existe nenhuma disputa política sem polemizar opiniões. As entidades federativas – como todos os centros espíritas - são órgãos essencialmente políticos e todas elas sempre foram palco do confronto de idéias. Nenhuma é poço de virtudes, templo sagrado ou santuário de intenções. Tudo é muito humano e limitado.

A chegada da contenda aos tribunais mundanos não é de estranhar , embora seja lamentável que tenha tomado tal rumo. Mas o que fazer quando não há respeito e disposição para o diálogo entre confrades? Mesmo não sendo rustenista, muito menos anti-roustaing, deixamos aqui a nosso sentimento de admiração pela sua persistência e fidelidade ao ideal que cultiva.

Não é de hoje a existência de partidos e grupos de diferentes expressões doutrinárias com relação ao Espiritismo. Lembram-se dos místicos e dos científicos? Tal marca no movimento só reforça a tese de que a nossa unificação deve caminhar sempre pelas semelhanças e não pelas diferenças. Pelos frutos certamente conheceremos as árvores.
Para quem está de fora e ainda não entende muito bem o que está acontecendo, algumas perguntas: Por que os órgãos de comunicação não informam aos espíritas o que está acontecendo, as suas opiniões, razões, ações e atitudes a respeito desse assunto? Por que o silêncio da outra parte envolvida?

Essa é uma questão que merece cuidado, não pelo seu caráter controverso e o risco de animosidades, mas pela sua natureza histórica e cultural. Embora não concordando com tantos pontos de vista, temos que aceitar e aprender a conviver com as nossas diversas formas de ser espíritas.

Imagens: A crucificação (montagem) e a última ceia na visão de Salvador Dali

ROUSTAING: FEB PERDE NOVAMENTE

“Dadas as circunstâncias em que a veneranda Federação Espírita Brasileira pretendeu alterar, em 2003, cláusulas essenciais dos seus estatutos, vi-me na contingência desagradável de recorrer à Justiça para evitar a surpreendente iniciativa, eivada de temerários equívocos. Agora, em setembro último, em mais uma etapa da ação e após sucessivas derrotas, os advogados da instituição entraram com recurso especial junto ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Tentaram reverter os efeitos do acórdão da 13ª Câmara Cível que, por unanimidade, manteve decisão a favor da pretensão do autor Luciano dos Anjos. A mais alta corte do estado deixou de admitir o Recurso, por estar a matéria definida na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Mesmo diante dessa decisão desfavorável, os advogados da instituição interpuseram Agravo junto ao STJ, em Brasília, com o objetivo de manter a pretendida modificação da natureza básico-doutrinária prevista no estatuto, tal como estabelecido, desde 1895, por Bezerra de Menezes.

Devo repetir, nesta altura da questão, dois pontos essenciais:

1º - Consta do processo, desde o início, formalização minha no sentido de que, auferindo ao término da fraterna demanda qualquer vantagem pecuniária, eu e meu advogado abrimos mão dela, fazendo-a reverter em benefício da própria Federação Espírita Brasileira. Não temos nenhum outro interesse senão impedir que se altere cláusula pétrea do estatuto, introduzida há mais de cem anos por Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti.

2º - Recorri à Justiça por me faltar qualquer alternativa, já que todo o procedimento decorreu fora da lei e da boa convivência ética. A rigor, inspirei-me em Paulo de Tarso que, também diante de situação extremada, recorreu a César como cidadão romano que era.

Durante a tramitação da ação, a FEB já perdeu quatro vezes:

1. Contestou a liminar concedida que suspendeu os efeitos da estranha assembléia-geral realizada em 25.10.2003. Concomitantemente, recorreu em segunda instância ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, através de agravo de instrumento, para cassar a liminar. Perdeu.

2. Em resposta à apelação interposta, resultando provimento em favor de Luciano dos Anjos, interpôs embargos infringentes no Tribunal de Justiça. Perdeu.

3. Interpôs agravo interno desta decisão. Perdeu.

4. Interpôs recurso especial cível perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que foi inadmitido. Perdeu.

5. Acaba de interpor agravo de instrumento em recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, em Brasília, na mais recente tentativa de reverter a situação. Processo em andamento.

Estou informando aos espíritas o desenrolar da questão tendo em vista as freqüentes indagações que me fazem. Não me regozijo com os acontecimentos, mesmo diante das vitórias até aqui assinaladas. A centenária FEB sempre me mereceu toda a admiração e o meu apreço. Modificou a sua trajetória, mas até então apenas nos aspectos metodológicos, o que me parece normal. Cada dirigente ou equipe de dirigentes tem seus métodos e uma visão própria da missão a seu encargo. Às vezes acerta, às vezes erra. Isso é natural e humano, conquanto eu não concorde com tais métodos, como, por exemplo, esse tal ensino sistematizado, de péssima inspiração. Mas, no caso da alteração estatutária, tentou-se modificar a essencialidade da instituição, do seu fundamento programático, modificando-lhe, portanto, a própria natureza. É como se uma diretoria conseguisse maioria e apoio para mudar o objeto da sociedade, transformando-a de espírita em católica ou protestante; ou que eliminasse o aspecto religioso do espiritismo, velha pretensão de muitos grupos, nacionais e internacionais. Nesses casos, é justo e recomendável que se recorra a César.

Prosseguirei no meu propósito até ao fim, quando então, diante de qualquer resultado, virei a público para dizer das minhas derradeiras considerações e atitudes.

Luciano dos Anjos

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Disney e a mensagem subliminar

Walt Disney em 1938: artista, inventor-comerciante e educador espiritual


Alguns amigos e muitos alunos (principalmente os que freqüentam igrejas protestantes) têm nos questionado seriamente sobre o problema das mensagens subliminares, inseridas principalmente nos desenhos animados. Como sempre, o alvo das dúvidas são os trabalhos originais e os que foram herdados comercialmente pelos atuais dirigentes dos Estúdios de Walt Disney. Não estamos nos referindo ao grosso da produção de massa veiculada pela TV, mas aos roteiros especiais, das obras consagradas.

Disney foi um artista, mas também foi um inventor-comerciante, típico da cultura anglo-saxônica. Aprendemos na universidade que o Patinhas e toda a sua turma era uma apologia do capitalismo, mas também percebemos na leitura mais apurada dos quadrinhos e filmes que existia por parte dos criadores o cuidado na preservação de valores. No mundo familiar de Patópolis – sobretudo nos núcleos centrais - não existia pais, mães e irmão, mas apenas tios e sobrinhos. Os bons modelos eram protegidos, mas os maus exemplos (mesmo sendo parentes) não se livravam da desmoralização.

Fugindo desse aspecto comercial e social, obra de Walt Disney é sem dúvida, no seu conjunto, uma apologia da espiritualidade e do mundo espiritual. Disney foi pioneiro no uso das novas tecnologias e gerou escola entre os animadores, mas nunca abandonou sua vocação educativa. Seguindo a tradição dessa modalidade artística, a maioria dos desenhos lançados atualmente pelos estúdios são metáforas das verdades espirituais e das provas que desafiam a experiência do espírito na carne. Quase todos eles tocam no ponto nevrálgico da existência humana e desafiam as limitações das religiões dogmáticas: a questão da imortalidade e do livre-arbítrio. Nenhuma criança ou adulto permanecem os mesmos depois que assistem aos desenhos criados , adaptados e produzidos por esses “magos” da comunicação. A magia nesse caso é a percepção e a capacidade de despertar pela metalinguagem os valores e as coisas do universo espiritual e metafísico. E é nesse ponto que Disney e seus seguidores incomodam os sectários e fundamentalistas. Não conseguindo digerir os graves conceitos espirituais inseridos nos roteiros – sem que estes lhe causem algum dano na materialidade limitadora de suas mentes – empreendem uma propaganda controversa e raivosa contra a verdade. A idéia é a mesma adotada há séculos pelos escravagistas de cérebros: proibir e ao mesmo tempo estimular o dualismo pecado/virtude pela técnica do maniqueísmo. Ao invés de enxergar a mensagem, supervalorizam o meio. Nesse universo confuso e preconceituoso, abandonam a versão autêntica para exaltar a subversão da mensagem subliminar, onde identificam apenas as aberrações, geralmente os desvios comportamento. Obviamente a intenção não é a defesa da moralidade, nem dos valores cristãos, mas neutralizar os conceitos profundos e desafiadores , que levam à reflexão e inevitavelmente às questões filosóficas que os dogmas não conseguem responder. Só que o tiro sempre sai pela culatra: a curiosidade e a insatisfação não podem ser abafadas para sempre. Ninguém pode ser enganado por tanto tempo. Mesmo que haja má intenção na mensagem subliminar - seja por ideologia ou por marketing premeditado – a verdade contida na obra não pode ser reprimida e por isso não deve ser subestimada.

A mensagem subliminar é tão antiga quanto à comunicação humana e surgiu a partir do momento que a Humanidade percebeu que podia falar de coisas indevidas para os inconscientemente interessados em tais assuntos. Por isso é ela muito comum nos ambientes onde há o comportamento e a atitude dúbia, geralmente camuflada pelo véu da hipocrisia: na política, no templo, na empresa, na escola, no lar, enfim, em todos os lugares e situações onde o ser humano se mostra vulnerável. Na comunicação social ela encontrou um vasto campo de atuação, sobretudo na pseudo-arte e na pseudo-religião. Nem é preciso dizer como ela se expandiu nas redações e editorias que alimentam a indústria de comunicação de massa. Hoje, com a grande liberdade de expressão instituída na maioria dos países, tal recurso perdeu muito do seu poder silencioso e alimentador da arrogância dos agentes maliciosos. Mas continua existindo.

No velho jogo entre o emissor e o receptor existe o meio (o médium). Este é o principal vetor da mensagem, que pode ser ou não subliminar, dependendo da responsabilidade e intenção de quem transmite. Muitos trechos do Velho e do Novo Testamento sofreram (e ainda sofrem) esses ataques “trevosos” da mensagem subliminar, mas estes não conseguem ofuscar a luz contida nas entrelinhas dos textos sagrados. A Doutrina Espírita, desde o seu advento histórico, também sofreu constante e persistente agressão desse expediente ardiloso. Já não sofre tanto quanto nos primeiros tempos, mas também continua sendo assediada pelos reacionários de plantão.

Mas a resposta para a principal dúvida dos questionadores está onde sempre esteve: os que se apegam à letra morrem com ela; mas os que se atentam ao Espírito, continuam vivendo e sempre ressurgem diante dos embates entre o Reino de Deus e o mundo césar.


Mickey e os escolhos da mediunidade.

Mago, segundo o dicionário Aurélio: 1. Antigo sacerdote zoroástrico, entre os medos e persas. 2. Astrólogo; advinho; 3. Homem que pratica a magia (nesta acepção, feiticeiro, bruxo, mágico), necromante, nigromante; 4. Cada um dos reis que foram a Belém adorar o Menino Jesus.

Mensagens e transformações

Com qual personalidade dos Sete Anões nós nos identificamos?

Tempos atrás fomos convidados a ministrar um curso para os voluntários de uma grande instituição humanitária brasileira. Tivemos que transformar uma palestra que normalmente apresentávamos entre 50 e 60 minutos numa jornada de 13 horas, num fim-de-semana intensivo. Aceitamos o desafio de um amigo que nos fez a proposta e imediatamente o convidamos para formarmos uma dupla na exposição dos temas. O evento seria realizado num hotel da região do ABC , um retiro na Serra do Mar bastante conhecido dos paulistanos. Um dia antes do evento fizemos os últimos ajustes no conteúdo e na dinâmica do curso, estimulados por algumas idéias que foram surgindo durante a semana e principalmente por causa de um sonho-desdobramento ocorrido na noite anterior. Da paisagem bucólica e do encontro com entidades amigas restou apenas uma imagem marcante: a dos Sete Anões do desenho de Disney , logo inserida como abertura de um dos blocos mais importantes e estratégicos do curso.
Instalados no hotel, fomos avisados que o curso seria realizado num pavilhão de eventos, num recinto deslocado há uns cem metros do prédio principal. Na manhã seguinte finalmente demos início ao curso, cujo tema escolhido foi “O Sétimo Homem”, baseado na idéia de evolução e transformação mental dos protótipos antropológicos históricos. Terminada a primeira parte da jornada e retornando para o almoço numa conversa animada, fomos tomados por uma intensa sensação de que já havíamos feito aquele trajeto. E logo passamos a reconhecer o local que, fisicamente, nunca havíamos estado antes. Nesse instante, uma outra surpresa: olhamos para o lado direito do caminho e vimos em meio às plantas ornamentais aquelas conhecidas peças de jardim representando a Branca de Neve e todos os sete anões. Não era apenas impressão, mas certamente estivemos ali – em outra dimensão - nos dias que antecederam o evento e participamos do planejamento e organização daquele encontro.
Uma das nossas dinâmicas consistia em entrevistar os participantes de outros cursos sobre o que eles pensavam sobre a idéia de transformação de pessoal e quais as experiências que tinham do assunto. Um das perguntas era “Com qual dos sete anões você mais se identifica?”
Resumindo a história, o curso foi um sucesso e foi realizado durante quatro anos consecutivos em vários outros eventos, incluindo dois na cidade do Rio de Janeiro.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Lombroso, testemunho da imortalidade


Razão e religião - Miguel Reale Júnior
No ano que se inicia, comemora-se o centenário da morte do cientista e médico Cesare Lombroso, fundador da Antropologia Criminal. Lombroso foi, ao lado de Garófalo e Ferri, um dos epígonos da Escola Penal Positiva italiana, cujas ideias foram fruto do desenvolvimento das ciências naturais e da confiança nos métodos empírico-explicativos.
A explicação causal do crime nasce com Lombroso a partir de estudos da morfologia de diversos condenados e internados, observando dados físicos dos quais retira consequências acerca do desenvolvimento mental. Sinais exteriores como queixo prognata, testa curta, orelhas de abano são características correspondentes a tendências delituosas. Dessa maneira, há um criminoso nato cuja origem está no atavismo, na herança da idade selvagem. O delito é fruto inexorável desse homem incorrigível, em razão da não-evolução de aspectos físicos e psíquicos. Assim, Lombroso negava o livre-arbítrio por acreditar na determinação absoluta da prática delituosa por fatores antropológicos.

Além de O Homem Delinquente, escreveu Lombroso A Mulher Delinquente, estudo no qual afirmava, após exame das características da mulher como as físicas, a capacidade craniana, o esqueleto, o peso e estatura, a inteligência e a moralidade, que esta possui fundamentalmente caracteres que a aproximam do selvagem e da criança.

Lombroso, contudo, mais tarde, sob influência de Ferri deu relevo aos aspectos ambientais na produção do fato delituoso, além de concluir, no final da vida, em consequência de sua adesão ao espiritismo, que dentre os criminosos poucos poderiam ser considerados como natos.

Curiosa é a caminhada do cientista, aferrado à análise dos fatos e à comprovação de suas causas, em direção ao espiritismo. Lombroso não foi fulminado pelo milagre da graça ou conduzido por uma revelação entusiasmante de Deus e das verdades escatológicas, mas chegou à religião, como se verá, por força dos fatos dos quais se declara escravo.

Na Itália do último quartel do século 19, deu-se forte influência do espiritismo, mormente no meio científico. Lombroso negou-se diversas vezes a participar de experiências espíritas, que chegou a ridicularizar. Coincidiu sua estada em Nápoles, em março de 1891, com a do professor Chiaia e da médium Eusápia Paladino, de extraordinários poderes. Lombroso concordou em presenciar uma sessão, desde que no seu hotel, à luz do dia, com cuidados contra qualquer fraude.

Na primeira de uma centena de sessões com a médium, impressionou-o o fato de, estando Eusápia presa a uma cadeira, a cortina do quarto se ter desprendido para envolvê-lo.

Poucos meses após a primeira experiência espírita, em julho, Lombroso já manifestava se envergonhar de haver combatido com violência a possibilidade de fenômenos espíritas, pois, apesar de contrário à teoria, atestava que fatos existiam e se orgulhava de deles ser escravo.

Em 1890, afirmara, diante da verificação de levitações, de transporte de objetos e de materializações, que com relação à teoria espírita era um pequeno seixo na praia, a água não o cobria, mas a cada maré sentia estar sendo arrastado um pouco mais para o mar. Experiência impressionante foi a aparição, em 1902, de sua mãe em diversas sessões, uma figura com a mesma estatura e a mesma voz, na maioria das vezes chamando-o de "fiol mio", como era próprio de sua origem veneziana.

Indagado por um jornalista em 1906 sobre os fenômenos espíritas, Lombroso disse que por educação científica fora sempre contrário ao espiritismo, mas ao lado de eminentes observadores, médicos, físicos, químicos, biólogos constatou fatos. Assim, acreditava na evidência, nada mais, sem medo do ridículo ao afirmar fatos dos quais experimentalmente adquirira profunda convicção.

Escreveu, então, em 1909, perto de morrer, o livro Hipnotismo e Mediunidade, em cujo prefácio declara que se situou distante de toda a teoria para que a convicção surgisse espontânea dos fatos solidificados pela consciência emanada do consenso geral dos povos. Fez, então, uma consistente síntese das experiências mediúnicas ao longo do tempo, mostrando a analogia entre o que sucedeu com os povos antigos, com os povos indígenas, com os fenômenos ocorridos na Idade Média ou no Renascimento e com o que sucedeu naqueles dias na presença de ilustres cientistas.

Disse, então, possuir um mosaico de provas resistente às mais severas dúvidas. Dentre tantos fenômenos e experiências que relata, muitos dos quais testemunhou, curiosos são os casos judiciários, como o da revelação por espírito de jovem falecido em navio de ter sido envenenado com ingestão de amêndoas com rícino, fato este depois constatado por perícia.

Escravo dos fatos, Lombroso descobre pela experiência o espiritismo, o que não contraria sua formação científica, causal-explicativa.

Alan Kardec, no Livro dos Espíritos, reconhece o livre-arbítrio, mas admite que não são os caracteres físicos que determinam o comportamento, e sim a natureza do espírito encarnado, que pode ter inclinação para o mal, mas possui o poder de enfrentar com o seu querer a tendência manifestada. Lombroso reconhece, ao fim, a pouca incidência de hipóteses do criminoso nato.

Este escorço histórico, quando dos cem anos da desencarnação de Lombroso, recoloca a angustiosa questão do livre-arbítrio ou do determinismo. A meu sentir, a liberdade não pode ser indiferente. Cabe situar o homem em suas circunstâncias biológicas e sociais, pois age no mundo que o circunda. O homem possui uma liberdade, mais que situada, sitiada, sem deixar de ter, contudo, uma esfera de decisão última pela qual define a realização da vontade e a do seu próprio modo de ser. Sem liberdade perdem sentido a dignidade do homem e a imortalidade do espírito.


Miguel Reale Júnior, advogado, professor-titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras, foi ministro da Justiça.

Publicado em O Estado de São Paulo, 03 de janeiro de 2009