quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Kardec insuperável?


“Pessoalmente Allan Kardec era de estatura média. Compleição forte, com uma cabeça grande, redonda, maciça, feições bem marcadas, olhos pardos, claros, mais se assemelhando a um alemão do que a um francês. Enérgico e perseverante, mas de temperamento calmo, cauteloso e não imaginoso até a frieza, incrédulo por natureza e por educação, pensado seguro e lógico, e eminentemente prático no pensamento e na ação. Era igualmente emancipado do misticismo e do entusiasmo... Grave, lento no falar, modesto nas maneiras, embora não lhe faltasse uma certa calma dignidade, resultante da seriedade e da segurança mental, que eram traços distintos do seu caráter. Nem provocava nem evitava a discussão, mas nunca fazia voluntariamente observações sobre o assunto a que havia devotado toda sua vida; recebia com afabilidade os inúmeros visitantes de toda parte do mundo que vinham conversar com ele a respeito dos pontos de vista nos quais o reconheciam um expoente, respondendo a perguntas e objeções, explanando as dificuldades, e dando informações a todos os investigadores sérios, com o quais falava com liberdade e animação, de rosto ocasionalmente iluminado por um sorriso genial e agradável, conquanto tal fosse a sua habitual seriedade e conduta que nunca lhe ouvia uma gargalhada (...)”


A adoração e mitificação de Allan Kardec no meio espírita realmente é um fato contra o qual não temos argumentos. Os adjetivos para exaltar a figura venerável de Allan Kardec entre alguns espíritas às chega muitas vezes aos limites do exagero. O último desses repentes românticos é dizer que as obras de Kardec são “insuperáveis”, como se as mesmas fossem peças sagradas de uma revelação religiosa fundamentalista ou tese científica fora dos padrões acadêmicos e queultrapassam milagrosamente os limites e reflexos da época e do contexto em que foram produzidas. Quem faz esse tipo de afirmação ignora a história e a filosofia ou então não leu Kardec com o olhar sereno e auto-crítico que o próprio mestre francês faria sobre si e a sua obra. Herculano Pires conhecia como ninguém e era apaixonado pela obra de Kardec mas, mas nunca ultrapassou as marcas sensatas do elogio ao enaltecer a “atualidade” das obras básicas. Ver Kardec dessa forma, “insuperável”, significa que os espíritas não conhecem os limites do conhecimento humano, mesmo em outras dimensões, já que o fato de mudarmos de plano existencial através do desencarne não nos transforma também milagrosamente em pessoas diferentes daquilo que éramos quando encarnados. Kardec e os Espíritos Superiores admitem que a Verdade existe, mas nunca nos iludiram de que pudéssemos conhecê-la integramente só pelo fato de nos tornarmos simpatizante do Espiritismo. Mesmo a metodologia e a organização didática aplicada na codificação (no sentido de comunicação, e não nesse sentido vulgar de legislador que tentam dar a Kardec) jamais foram apresentadas como tratados dogmáticos permanentes e insubstituíveis. Não, Kardec jamais desejaria para nós aquilo que tanto combateu a vida inteira para si mesmo: a escravidão mental, o medo, a superstição e a prostração ingênua diante dos desafios e questões intrigantes que a vida nos impõe. Isso não diminui em nada a admiração que temos por ele e pela sua luta em contribuir para fosse implantado um novo paradigma de conhecimento. Pelo contrário, quando nos lembramos da época em que ele viveu e das dificuldades que enfrentou para expor suas idéias, imediatamente o trazemos par o século XXI, não como referência absoluta em termos filosóficos e científicos, mas certamente como modelo humano relativo de postura intelectual e conduta de comunicador.

Façamos um teste para verificar que tipo de impressão Kardec nos causa como referência, a mesma que temos ao ler suas obras : se de natureza mítica e superficial ou então reflexiva e racional. Leiamos com admiração, porém com muita atenção e crítica, a descrição dele feita por Anne Blackwell ( registrada por Artur Conan Doyle), para saber se estamos olhando Kardec de maneira real ou idealizada. O resultado, como não poderia deixar de ser, continuará sendo subjetivo e dentro dos limites pessoais da cada leitor .

Nenhum comentário: