sábado, 2 de agosto de 2008

Augusto César Vanucci


A obra de Chico Xavier, que até o ano do seu desencarne ultrapassou a casa dos 30 milhões de exemplares vendidos, não poderia permanecer restrita aos livros. Tratava-se de uma temática literária cuja diversidade teria que ser, mais cedo ou mais tarde, transmutada para em outras linguagens artísticas. Quem de nós, ainda hoje, não sonha em ver nas telas do cinema e da TV uma grande e sofisticada produção das obras de Emmanuel, André Luiz ou Lúcius? Ficamos imaginando que algum produtor de Hollywood um dia vai se interessar pelo assunto. Por que nenhum diretor do cinema de arte europeu não filmou ainda a história de Allan Kardec, mostrando a Paris dos primeiros tempos do Espiritismo?
Enquanto sonhamos é bom lembrar que grandes autores de novelas como os pioneiros Ivani Ribeiro, Janete Clair , Dias Gomes, e seus sucessores Benedito Ruy Barbosa, Walcir Carrasco, Glória Peres, Maria Adelaide Amaral e Agnaldo Silva, quando não trataram diretamente do assunto espiritismo, não perdem a oportunidade de colocar temas com forte teor de espiritualidade em seus roteiros. Mesmo que, em termos mercadológicos e de audiência, esses temas se tornaram praticamente obrigatórios nas novelas e mini-séries brasileiras, não se pode negar que muitos desses autores e diretores, na condição natural de médiuns, foram não somente influenciados pelos precursores, mas também porque passaram por provas pessoais que os conduziram positivamente para o texto de impacto esclarecedor e de “conspiração” artística espiritual. No Brasil dois nomes merecem ser lembrados como importantes pioneiros da arte e comunicação espírita de massa: os mineiros Wanda Marlene dos Santos e Augusto César Vannucci, que tiveram muita vontade, nem sempre com todas as condições, de transformar sonho em realidade. Foi um esforço histórico, de lançamento de sementes em terreno resistente e árido e que só depois de muitos anos iriam germinar. No início da década de 1960 a atriz Wanda Marlene ocupou um precioso espaço cedido pela TV Itacolomi, de Belo Horizonte, para produzir e levar ao ar algumas obras mediúnicas de Emmanuel. O ponta-pé inicial da série foi dado em 1961 com “Lívia”, adaptada do romance Há Dois Mil Anos, seguido de “O Grande Testemunho” (do livro 50 anos depois), Renúncia e concluída em 1964 com Ave Cristo. Para o ano seguinte previa-se a produção de Paulo e Estêvão. O “Anuário Espírita 1965” registrou como colaboradores do trabalho precursor de Wanda um numeroso elenco: Zélia Marinho, Geraldo de Oliveira, Vilma Henriques, Tales Pena, Nilda Almeida, Sérgio Luiz, Wantencyr Mattos, Carlos Farah, Toni Vieira, Anaíde Martins, Ari Fontenelli, Rogério Falabela, Jota Barroso e outros.Iniciado pelas mãos de Pascoal Carlos Magno, no Teatro do Estudante, Augusto César Vanucci, nascido em Uberaba, médium intuitivo, faria uma trajetória mais ampla, ocupando espaços de comunicação mais abrangentes como as grandes redes de televisão no Rio e em São Paulo. Discípulo de Chico Xavier, dividido pela prova do poder, entre o dever, a imagem profissional, e o ideal filosófico, Vannucci decidiu romper as amarras das aparências e, como Wanda Marlene, partiu para “tudo ou nada e seja o que Deus quiser”. Dono de um perfil cobiçado nos meios artísticos, no mercado promissor nas décadas de 1960 e 1970, em meio a perturbações cármicas e dramas familiares, o grande diretor deixou sua marca no maior veículo de comunicação de massa do século XX: “A verdade confessa era que eu assumia, mais ou menos, postura espiritualista, mantendo, todavia, os pés presos no materialismo. Depois de trabalhar em 146 peças teatrais, 30 shows noturnos, dirigir para a TV Globo 4.100 programas, descobri, numa viagem astral, em conversação com amigos espirituais, que o verdadeiro trabalho estava por vir”.

Essa luta entre o ser e o não ser, uma constante no trabalho de Vannucci, num delicado terreno onde predomina a vaidade e a ânsia pelo sucesso, foi assim comentada pelo jornalista e autor de TV, Eloy Santos[94]:

“Teatro, cinema, televisão. Essas três expressões da arte e da cultura brasileiras tiveram, no correr das últimas quatro décadas, a presença e o talento cintilante de Augusto Cesar Vannucci. Como um mestre do ofício, ele deixou sua marca pessoal em tudo. Marca do gênio. (...) Quer queira ou não este país sem memória, Augusto Cesar Vannucci é, hoje, uma referência importante na história da TV mundial. Lendo essas linhas, como eu sei que ele está lendo, vai dizer: ´O Eloy fez bobagem. Minha contribuição maior à televisão foram os programas que falam de espiritualidade...´ É verdade. Quando se discutia a sua obra na TV, Vannucci destacava programas como ´3ª Visão´, ´Percepção´, `Fronteiras do Desconhecido´ e o especial ´Chico Bondade Xavier´. Para ele sempre valeu mais a pena dar o espaço para os `Espíritos do Senhor que, semelhantes a estrelas cadentes, vêm iluminar o caminho e abrir os olhos aos cegos´. Aqui, um parêntese: também nos anos 1980 Vannucci produziu e dirigiu a peça ´Além da Vida´, com textos de Francisco Cândido Xavier e Divaldo Pereira Franco. Ela está em cartaz até hoje. Augusto César Vannucci. Um pioneiro. Ele andou por um caminho áspero e marcado muitas vezes pela incompreensão, ao se dispor à tarefa de dar câmeras e microfones na TV ao Espiritismo. Mas não recuou jamais. Mesmo quando o preço de tal gesto representasse, como muitas vezes representou, a perda de posições de mando e prestígio.


Fonte: Nova História do Espiritismo - Dos Precursores de Alla Kardec a Chico Xavier



Wanda Marlene e algumas cenas de "Lívia" na TV Itacolomi - Imagens:Carlos Fabiano Braga

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