sábado, 30 de agosto de 2008

Violência e reencarnação


Uma onda de criminalidade e matanças vêm invadindo as cidades brasileiras. Encontros e reencontros de desafetos. Espíritos rebeldes e muitas vezes credores da corrupção e dos desmandos públicos estão voltando e agindo como mandam os costumes das coletividades do umbral. O problema não é exclusivamente brasileiro, mas alguns países já conseguiram superar, em parte, a gravidade do assunto.

Tempos atrás vimos num documentário da National Geographic um caso envolvendo duas famílias inimigas na Turquia que vinham se destruindo há mais de cem anos, numa horrível escala de assassinatos entre seus membros. Recentemente, provavelmente por inspiração dos mentores familiares, já esgotados em seus esforços de exortação moral, apelou-se por uma solução prática. Os anciãos das duas famílias reuniram para firmar um acordo e botar fim nas mortes, atingindo a raiz do problema: o ódio e a vingança. Para neutralizar esses sentimentos arraigados há décadas, eles decidiram promover um casamento entre os membros das duas famílias. Foram escolhidos um rapaz de 26 anos e uma menina de apenas 13 anos. Questionada sobre sua escolha, a menina declarou que aceitava a tarefa com muita honra e se sentia muito feliz por contribuir com o fim daquelas mortes. Num cálculo simbólico e político, para um determinado número de perdas ocorridas entre as duas famílias nas décadas passadas deveria nascer da união do casal escolhido uma quantidade determinada de filhos. Vidas novas. E
spíritos que antes se repudiavam agora se atraem pela força sagrada do sexo, esperançosos na experiência do recomeço. Com sangue misturado, harmônicos, neutralizam a química do ódio e o impulso da vingança. Ressurreição pura pelas vias da reencarnação.



Pacto entre famílias inimigas delimita áreas exclusivas no PE


"Um pacto de paz selado hoje em Recife (PE) entre as seis famílias em guerra há cerca de 20 anos no "polígono da maconha" cria áreas para a circulação exclusiva dos clãs e delimita territórios livres, onde a convivência entre os integrantes dos grupos rivais será permitida. Para evitar os confrontos, que já provocaram a morte de aproximadamente cem pessoas, ficou estabelecido que os Araquan e os Gonçalves poderão circular livremente em Abaré e Mirandiba.

Já seus inimigos, os Benvindo, os Nogueira, os Simões de Medeiros (conhecidos por Russos) e os Gonçalves da Silva (chamados de Cláudios) passarão a ter como base territorial as cidades de Cabrobó e Belém do São Francisco. As rodovias federais e o município de Salgueiro, pólo regional do sertão pernambucano, receberão o status de "territórios livres", onde os seis clãs dizem que predominará a convivência pacífica entre as famílias. A criação das "zonas de exclusão" atende reivindicação feita pelos Russos na primeira tentativa de acordo entre os grupos, ocorrida no dia 17 de outubro e intermediada pela Igreja Católica, Ministério Público, Justiça estadual e a CPI do Narcotráfico e da Pistolagem de Pernambuco.

Os integrantes do clã consideravam "impossível" a assinatura de um acordo de paz sem a definição de uma regra de convívio que permitisse a reaproximação gradativa dos seis grupos.

"O ressentimento de 20 anos de confrontos não vai acabar de um dia para o outro", disse um dos líderes dos Russos, o produtor rural Cristian Diniz Simões de Medeiros, 32. "Um toma uma cachaça, vem outro e toma também e pronto, o acerto acaba em dois dias", justificou.

Outro impasse levantado na época, pelos Araquan, também foi solucionado na reunião realizada ontem na Assembléia Legislativa do Estado: a reivindicação de anistia para os 22 presos da família. Os Araquan só concordavam com o pacto de paz se o número de presos dos dois lados fosse igual. Como os rivais têm apenas três integrantes cumprindo pena, eles exigiam que a Justiça anistiasse 19 condenados da família ou prendesse 19 dos clãs rivais. A solução veio do juiz das execuções penais, Adeildo Nunes, que participou da reunião. Ele prometeu agilizar os processos de julgamento e autorizou a transferência de 13 detentos, de um presídio de Recife para a unidade penal de Salgueiro.

O presidente da CPI do Narcotráfico e da Pistolagem, deputado Pedro Eurico (PSB), disse que o acordo poderá fazer até com que alguns deles respondam o processo em liberdade, porque vários pedidos de habeas corpus já foram negados em razão do risco de envolvimento dos presos em novos confrontos.

Os clãs, disse o parlamentar, se comprometeram a entregar as armas que possuem, e a Secretaria da Defesa Social (equivalente à Segurança Pública) será acionada para intensificar as operações de desarmamento no sertão. Para tentar afastar do plantio e do tráfico de maconha alguns integrantes das famílias envolvidas nos conflitos, a CPI se comprometeu também a reivindicar linhas de crédito agrícola junto aos bancos do Nordeste e do Brasil.

O documento com os pontos do acordo deverá ser redigido e assinado ainda esta semana. Depois de seis meses, todos os envolvidos deverão se reunir novamente para avaliar a situação e revisar o pacto, se necessário".

Fábio Guibu, da Agêntcia Folha, em Recife

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