domingo, 12 de outubro de 2008

Elementar, meu caro Doyle

Doyle numa entrevista ao comunicador Alan Freed

Desde que me conheço por gente lembro da existência de Sherlock Holmes e o do Dr. Watson. Mas nunca esqueci o susto que tomei ao ver na filial santista da livraria Martins Fontes um exemplar da História do Espiritismo. A partir daquele instante passei a prestar mais atenção no criador dos célebres detetives do que na famosa série de sucesso mundial. O livro me atraía, porém não conseguia ir além das explicações cuidadosas de Herculano Pires sobre Espiritismo francês e Espiritualismo anglo-saxônico. Aquela introdução do tradutor Júlio Abreu Filho, então, me causava receio de não compreender o que se passaria nos capítulos. Nesses anos todos o livro ficou à espera de uma leitura definitiva, pois no dia daquela descoberta, no final dos anos 70, eu tinha apenas uns quinze ou dezesseis anos. Foi numa noite de sábado, de cinema e passeio com colegas no Gonzaga. Como sempre fazíamos, já entrando na madrugada, voltávamos caminhando pela calçada da praia até São Vicente, completamente despreocupados, num tempo em que não havia perigo algum, não como existe hoje. Conan Doyle veio caminhando comigo e nunca mais saiu da minha mente. Sempre que vejo alguma ilustração dos detetives ou o retrato do escritor escocês, imediatamente me vem à memória as cenas daquela noite. Nunca comprei o livro, mas ele sempre dava jeito de chegar em minhas mãos. Quando fui morar em São Paulo ele sempre me surpreendia nas estantes dos sebos. Mas a aquisição final e irreversível somente aconteceu uns vinte anos depois, quando fui visitar minha mãe, que havia voltado a residir em São Vicente. Era um prédio muito antigo, chamado Tumiaru, na praia do Gonzaguinha. Ainda brinco com ela dizendo que o primeiro síndico do edifício deve ter sido o Martim Afonso de Souza. Uma dessas vezes, subindo pela escadaria, deparei com uma pilha de coisas usadas, certamente um bota-fora. A vizinha tinha alertado que deixaria alguns livros no corredor. Entre revistas, cadernos e livros lá estava ele: a mesma capa, o mesmo convite e os receios de outras épocas. Havia também alguns exemplares de Sidnei Shelton. O furto, ou apropriação só reforçou o vínculo espiritual com a obra e adquiriu o caráter de compromisso. Está comigo até hoje. É isso aí, meu caro Doyle, você venceu. A coincidência não foi apenas com o seu livro. Meu exemplar de “Paris Babilônia”, que não tive coragem nem grana para comprar na FNAC de Pinheiros (76 reais), foi adquirido numa loja do Carrefour da Casa Verde. Estava na fila do pão, pronto para ir embora, quando me veio uma vontade irresistível de ir até a seção de eletrônicos. No percurso, com enorme palpitação no peito, deparei com uma mesa de livros em oferta. Inexplicavelmente o livro de Rupert Christiansen também estava lá, somente um exemplar, com a embalagem plástica já violada, por cinco reais. Chamei o vendedor para explicar o equívoco, mas ele confirmou a oferta, quase me implorando para arrematar a banca toda. Nunca senti tamanha pressa de voltar para casa. Esse exemplar não está mais comigo. Emprestei, sem nenhuma esperança de devolução, para o amigo Eugênio Lara. Se não foi para ele, foi para alguém que, como eu, toma emprestado e não devolve. Aliás, por onde será que anda “Os intelectuais e o Espiritismo”, que o Eugênio me emprestou?

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