sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Ser e não ser espírita


Não vivemos mais na época do “crê ou morre”, mas volta e meia circula entre nós – agora na velocidade dos e-mails – algumas idéias sobre pureza e conduta doutrinária que nos causam um certo espanto. Seguindo uma obscura e infeliz tradição em nosso meio , alguns autores falam fartamente das práticas classificadas por eles como “estranhas”, “antidoutrinárias”, “ignorantes”, “de conhecimento incompleto” e muitos outros adjetivos aplicados aos procedimentos que vão desde os mais corriqueiros gestos de sincretismo religioso aos abusos e escândalos de fazer corar os mais tradicionalistas. Interessante é que esses articulistas chegam mesmo a dar nome a certas práticas que eles e muito outros não aceitam como “autenticamente espíritas”, o que para nós, ao invés de esclarecer, confunde ainda mais, pela absoluta falta de critério ou categorização dessas análises. Não basta pegar trechos soltos da Codificação para justificar esse tipo raciocínio e julgamento crítico. É preciso ter ética. É um hábito historicamente perigoso esse de medir o comportamento alheio com a régua das nossas exigências e pontos de vista , muito próximos das conhecidas práticas intolerantes e inquisitoriais do passado. Como discurso pessoal, até dá para aceitar e respeitar. Admiramos, inclusive, pela coragem. Mas quando carregado de ideologia particularista, com marca institucional das associações e entidades , fica bastante preocupante e muito incoerente.

Ao ler esse tipo de discurso retilínio, típico dos “zelotes” da moral e dos bons costumes dos templos, também ficamos desconfiados e inevitavelmente nos vêm do íntimo sempre as mesmas dúvidas.

Afinal, o que é ser espírita, ideologicamente falando?

Que parâmetros temos para julgar ou analisar se algo é ou não é espírita?

Quem tem o poder para decidir e a capacidade de mensurar o grau de fidelidade ou comprometimento com a ideologia espírita?

Existe um padrão, referência ou paradigma de conduta e ideologia espírita?

Afinal, somos ou não somos cristãos? Podemos ou não podemos ser cristãos, sendo espíritas?

Por que as críticas contra esses comportamentos “não espíritas” quase sempre ficam no terreno das subjetivas “práticas doutrinárias” e nunca no comportamento daqueles que articulam e disputam posições políticas no meio espírita?

Será que só existem “missionários” e “mistificadores” entre os médiuns e os obreiros de tarefas simples das casas espíritas?

Por acaso não temos dirigentes e articuladores que se comportam de forma indigma nas suas atitudes entre irmãos de ideologia?

Não é coincidência que o discurso purista e ortodoxo no movimento espírita quase sempre partiu, historicamente falando, de pessoas ligadas aos setores profissionais tradicionalmente corporativos, cuja credibilidade sempre foi sustentada, não pela competência , mas pelo exercício da exclusividade e do privilégio. E essas características, todos sabem, vêm sendo mantidas a duras penas diante da decadência moral e proletarização social de suas funções. Antes eram somente algumas categorias profissionais que se incomodavam com as práticas exercidas nos centros espíritas. Agora temos novas corporações que estão adotando o velho discurso reacionário e que afrontam as mais antigas tradições de bondade e respeito pela dor humana. Estes, quando ascendem ao poder de cargos institucionais e de comunicação, são geralmente os mais exigentes e intolerantes nas suas opiniões e ações políticas nos centros espíritas e outros segmentos. Perguntem a profissão desses intolerantes e , com raríssimas exceções , não vamos descobrir a verdadeira gama de interesses e limitações pessoais que estão ocultos em seus discursos puristas e ortodoxos.

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