sábado, 4 de outubro de 2008

Eleições aqui e no Além



Não nos recordamos de nenhum relato falando especificamente da experiência democrática e eleitoral em mundos superiores ou nas chamadas “colônias” próximas do crosta terrestre. Nas esferas mais escuras sabemos que a ordem é a força, a opressão e o terror. Sobre as esferas mais iluminadas, os relatos se limitam a expor um folclore místico ou mítico falando de assembléias de entidades iluminadas gerindo os destinos das coletividades, algumas, como é caso de Emmanuel no livro “A Caminho da Luz”, na linguagem simbólica e setenária da antiga tradição esotérica. Ou então a existência de uma ordem hierárquica composta de entidades mais experientes, uma “elite” espiritual que adquiriu responsabilidades mais amplas, na medida que contraíam débitos ou conhecimentos mais profundos sobre os processos evolutivos. Conceitos conhecidos pelos encarnados no exercício do jogo político, incluindo nas instituições espíritas, como partido, situação, oposição, debate, divergência e convergência, são informações diluídas nas inúmeras observações dos repórteres do Além. Os mais atrevidos nessas comunicações logo são colocados sob suspeita.

É assim que André Luiz e muitos outros cronistas nos apresentaram, por exemplo, os governadores, ministros e demais dirigentes de Nosso Lar e outras comunidades semelhantes. Não falam em momento algum de forma detalhada sobre os mecanismos de escolha dessas posições estratégicas de administração social no mundo espiritual. Talvez seja porque essa literatura – que criou e gerou tendência de estilo até hoje predominante - apareceu no Brasil numa época em que explodiam os conflitos entre as oligarquias e a novas forças democráticas pela moralização do voto, na época bastante comprometido com a corrupção. Esse processo seria somente normalizado quinze anos após a Revolução de 1930. Mais tarde seria interrompindo por 20 anos de regime militar, experiência que nos fez recuar décadas na albetização democrática e cidadã. O primeiro relato de André Luiz surgiu no auge do Estado Novo, forte regime ditatorial de Getúlio Vargas. Os dirigentes da FEB realmente temiam uma represália por parte do DIP ou do DOPS, caso esses órgãos de policiamento ideológico julgassem a obra como peça de propaganda subversiva. O conteúdo poderia, segundo eles, sugerir as práticas socialistas ou então as liberdades democráticas individuais, ambas muito mal vistas pelo grupo que orbitava em torno do célebre ditador gaúcho. Teria sido essa a causa da omissão de informações sobre os processos de escolha e representatividade política por André Luiz?

Nenhum espírita que seja crítico e consciente vai às urnas sem rever essas questões, que são na verdade a nossa referência ética principal no trato com a política. Questionamos , ainda hoje, como Jesus compartilhou essas experiências de poder com seus discípulos e futuros dirigentes do Movimento Cristão. Como Kardec se portou com seus pares na composição e dinamização da Sociedade Espírita de Paris?

Sabemos que o voto é um dever, mas também sabemos que ele vai além dessa obrigação cívica para significar o gesto grave da escolha, da manifestação da nossa vontade e também comunicar o nosso estado de satisfação ou insatisfação com as formas de governo. Podemos escolher e também podemos deliberadamente não escolher como gesto de protesto, se for da nossa vontade. Antes que alguém pense que se trata da apologia gratuita do voto nulo, devemos lembrar que os espíritas são como todos os demais eleitores, diferenciando apenas no aspecto de que concordamos que o voto é um dever, seja qual for a sua expressão.

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