sexta-feira, 31 de julho de 2009

Épico do Espiritismo

Ângelo Antônio (Chico), Anselmo Vasconcelos e Ana Rosa, que vivem o casal Perácio e Carmem, iniciadores do médium na Doutrina Espírita.



O jornal O Estado de São Paulo publicou na última terça-feira(28) a matéria abaixo, sobre o filme que Daniel Filho está rodando sobre Chico Xavier. O diretor, embora se dizendo ateu, afirma que teve a influência do amigo Augusto César Vanucci, já desencarnado. As gravações do filme podem ser acompanhadas num blog da produtora.


Luiz Carlos Merten, PAULÍNIA

É um momento forte da vida de Chico Xavier, reconstituído no filme que Daniel Filho roda atualmente sobre o lendário médium brasileiro. O jovem Chico, ainda em Pedro Leopoldo, tem a revelação da mediunidade. Sua irmã está amarrada na mesa da sala, possuída por um espírito. Um casal de espíritas tenta exorcizar a entidade que comanda a possessão. O pai, desesperado, prende os pés da filha, que se debate desesperadamente. Chico entra correndo na sala, montada no estúdio do Polo de Cinema de Paulínia. Liberta a irmã de suas amarras e a tranquiliza com o simples poder de persuasão da voz.

A cena é forte e o elenco que a reconstitui é de feras. Ana Rosa, Anselmo Vasconcelos, Luis Melo, Larissa Vereza (filha de Carlos), Cléo Daniel (filha de Daniel Filho) e Ângelo Antônio, um dos três atores que se revezam no papel de Chico. Se a dramaturgia é intensa, o desafio técnico não é menor. Daniel Filho filma com duas câmeras. Uma grua, e a câmera baixa em direção ao rosto da exorcizada, descrevendo um movimento circular - uma pan, de panorâmica - que a faz rodar em torno dos personagens; e outra câmera que se move sobre trilhos, no solo, captando a cena do ângulo lateral. Daniel Filho ensaia várias vezes. Troca as lentes, corrige o tempo do movimento. Os atores ora recitam suas falas, ora ficam em silêncio. Após quase uma hora de preparação, a assistente Chris D?Amato diz que está tudo pronto. Ele grita ?Roda!? E ?Corta!? Vira-se para o repórter, o sorriso triunfante.

One shot! Tomada única. Daniel Filho não gosta de repetir os planos. Só mesmo por necessidade, quando houve alguma falha técnica. Ele busca sempre a emoção da cena recém-descoberta pelo ator. Seu método costuma dar certo. Deu mais uma vez. Depois de Tempos de Paz, que estreia dia 14 - um filme pequeno, com poucos atores, adaptado da peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz, de Bosco Brasil -, Daniel continua trabalhando com tecnologia digital, mas o filme agora é grande, caro, com mais de 100 personagens. "É um épico, é o meu El Cid, ele brinca, referindo-se ao clássico de Anthony Mann com Charlton Heston. Daniel conheceu o biografado. Seria somente o produtor de Chico Xavier. Convidou vários diretores. Um deles, Cláudio Torres, viajou na maionese e construiu o que mais parecia uma ficção científica.

Veio de Rodrigo Saturnino Braga, da empresa produtora e distribuidora Sony, a pressão para que Daniel Filho assumisse a direção. "O Saturnino chegou a invocar o Vanucci." Augusto César Vanucci foi uma figura histórica da TV brasileira - Meu irmão, como o define Daniel. Vanucci era espírita. "Quando ele vinha falar com a gente, Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho) e eu já sabíamos que íamos terminar fazendo algum programa de inspiração espírita na Globo", lembra Daniel. Saturnino o convenceu a fazer Chico Xavier, pelo Vanucci. Ao chegar em casa, decisão tomada, o diretor conta que viveu uma experiência irracional ou transcendental, deem o nome que quiserem. "Fui contar a Olivia - sua mulher, Olivia Byington - e as lágrimas não paravam de escorrer. Estava falando, estava feliz e as lágrimas desciam numa enxurrada."

O roteiro creditado a Marcos Bernstein, de Central do Brasil, bebe em várias fontes, incluindo a biografia de Marcel Souto Maior. Teve nove versões. Daniel explica que a estrutura episódica conta três fases da vida de Chico Xavier por meio de experiências decisivas que viveu na infância e já adulto, em Pedro Leopoldo, e depois em Uberaba, onde se radicou. O garoto Matheus Costa e, depois, Ângelo Antônio e Nelson Xavier vivem as diferentes fases do médium. O roteiro possibilita a realização de um filme de quase três horas, mas pela estrutura flexível, Daniel espera deixar a versão para cinema com cerca de duas horas. Haverá outra, mais extensa, para TV, para ser exibida como microssérie. Por contrato, a estreia será em 2 de abril de 2010, dia do centenário de nascimento de Chico Xavier. Coincidentemente, será Sexta-Feira Santa. Pode-se estar desenhando mais um grande êxito do cinema brasileiro. Afinal, o espiritismo é forte no País e outro filme pequeno, sobre Allan Kardec* - com Carlos Vereza -, já foi um sucesso inesperado.

O diretor pediu - e obteve - a aprovação de familiares de Chico Xavier, mas não precisava, porque tem os direitos do livro. Desde que começou a trabalhar no projeto, Daniel Filho conta que ouviu 1.001 histórias sobre o médium e sobre a força do espiritismo. O que o atrai nele é seu imenso coração. Não é um filme de militante espírita, pois Daniel se autodefine como ateu. Crê numa energia superior, não em Deus. Crê no homem, apesar de tudo. Mas ele quis que alguns atores, pelo menos, fossem espíritas. Ana Rosa é. "Há mais de 30 anos, tento decifrar esse mistério", diz a atriz, que teve vários encontros com o médium, em Uberaba. Ela conta uma história, que ouviu dele. Uma médium lhe disse que via uma chuva sobre ele. "Uma chuva do quê?, Chico perguntava. "De livros", ela respondeu, antecipando os 400 livros que o médium psicografou.

Ontem, Ângelo Antônio filmou a cena em que Chico psicografa pela primeira vez. Ator de teatro, cinema e TV, ele é atraído pela espiritualidade. É interessante ver sua concentração no set - adepto de ioga, Ângelo faz seu tai chi direto, antes de entrar em cena. O repórter pergunta se vê alguma ponte entre o pai de Zezé di Camargo e Luciano em 2 Filhos de Francisco e Chico Xavier, como representações de brasilidade. "Nunca tinha pensado nisso", ele diz. "Mas ambos se chamam Francisco." E mais - "Chico Xavier era considerado louco por suas visões. Francisco também era, por sua obstinação em transformar os filhos em artistas." Ângelo Antônio sabe que é uma grande responsabilidade interpretar Chico Xavier. Todo dia, dá um trabalho imenso colocar aquela peruca. Daniel Filho investigou até o aspecto mais polêmico - a suposta homossexualidade do médium. "Perguntei para todo mundo. Ele não era homossexual. Era assexuado." Ângelo explica. "Um amigo dele me disse que Chico tinha a delicadeza de uma menina. É assim que o interpreto, feminino. Sua bondade é uma inspiração."

Quarta-Feira, 29 de Julho de 2009 | Versão Impressa

* Nota do blog:o filme é sobre Bezerra de Menezes e não Allan Kardec

Daniel Filho em reunião de trabalho com o elenco: filme e micro-série serão decisivos para alavancar a cinematografia espírita.

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