segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

A Noite dos Cristais






Pérolas da literatura mediúnica, as crônicas do Irmão X (Espírito Humberto de Campos) trouxeram à público inúmeros temas históricos dramáticos, revelando-os sob o prisma do mundo espiritual. Trajédia no Circo, uma entrevista com Judas Iscariotes e esta que aqui ilustramos foram alguns dos mais famosos e marcantes relatos do escritor maranhense falecido no Rio de Janeiro em 1934. Ele é o autor de Brasil, coração do mundo, pátria do Evangelho, narrativa épica, em estilo metalinguístico que desperta variações de admiração e indignação entre alguns historiadores e críticos do espiritismo religioso. Vale lembrar que “Irmão X” foi o pseudônimo adotado pelo Espírito durante o rumoroso processo judicial movido pela viúva da Campos contra Francisco Cândido Xavier (leia o verbete “Humberto de Campos”, da Wikipédia). Posteriormente a família reconheceu a boa fé do médium e desenvolveu-se entre eles uma relação amistosa, obviamente com a intervenção espiritual do próprio Humberto.


TALIDOMIDA

Na tela cinematográfica, o professor do Plano Espiritual exibiu dois pequenos documentários sobre o assunto que nos fora motivo a longo debate.

1939 – 1943

Surgiu à cena, agitada metrópole européia. Em tudo, o clima de guerra. Desfiles militares de pomposa expressão. Na crista dos edifícios mais altos, bocas de fogo levantavam-se em desafios.Nas ruas, destacavam-se milhares de jovens em formações de tropa, ao ruflar de tambores, ostentando símbolos e bandeiras. O povo, triste e apreensivo nas filas de suprimento, parecia desvairar-se de júbilo nas paradas políticas, ovacionando oradores nas praças públicas. De vez em vez, sirenas sibilavam gritaria de alarme. Aviões sobrevoavam, incessantemente, o casario enorme, lembrando águias metálicas, de atalaia nos céus, para desfechar ataques defensivos contra inimigos que lhes quisessem pilhar o ninho.

Através de informações precisas, registrávamos os mínimos tópicos de cada conversação.

De súbito, vimo-nos mentalmente jungidos a dilatado recinto, onde centenas de policiais e civis cochichavam na sombra.

Articulam-se avisos. Ramifica-se a trama. Camionetas deslizam dentro da noite.Outros agrupamentos se constituem. Mais algum tempo e magotes de transeuntes se agregam num ponto só, formando vasta legião popular em operoso bairro de ascendência israelita. São paisanos decididos à rapinagem. Homens e mulheres de raciocínio maduro combinam o assalto em mira. Madrugada adiante, quando a soldadesca selecionada desce dos veículos com a ordem de apresar famílias inermes, ei-los que invadem as residências judias, agravando o tumulto.

Para nós, que assistíamos ao espetáculo, transidos de dor, era como se fitássemos corsários da terra, no burburinho do saque. Mãos que retivessem anéis, pulsos que ostentassem adornos, orelhas ornamentadas de brincos e bustos revestidos de jóias sofriam golpes rápidos, muitos deles tombando decepados em torrentes sangüíneas. Alguém que aparecesse com bastante coragem de investir contra os malfeitores, cuja impunidade se garantia com a indiferença de quantos lhes compartilhavam a copiosa presa, caía logo de pernas mutiladas, para que não avançasse em socorro das vítimas.

E os quadros vivos se repetiam em outros lugares e em outras noites, com personagens diversas, nos mesmos delírios de violência.

1949 – 1953

A tela passa a mostrar escuro vale no espaço. Examinamos, confrangidos, milhares de seres humanos em condições deploráveis. Arrastam-se em desgoverno. Há quem chore a ausência dos braços, quem lastime a perda dos pés. Possível, no entanto, identificar muitos deles. São os mesmos infelizes de 1939 a 1943, participantes das empresas de furto e morte, à margem da guerra. Desencarnados, supliciam-se no remorso que se lhes incrusta nas consciências. Carregando a mente vincada pelas atrocidades de que foram autores, plasmaram em si, nos órgãos e membros, profundamente sensíveis do corpo espiritual, as deformidades que infligiram aos irmãos israelitas indefesos.

Ainda assim, almas heróicas atravessam o nevoeiro e distribuem consolações. Para que se refaçam, é preciso que reencarnem de novo, em breves períodos de imersão nos fluídos anestesiantes do plano físico. Necessário retomem a organização carnal, à maneira de doentes complicados, que exigem regime carcerário para tratamento preciso.

Ensinamentos prosseguem ao redor do filme.

Sofrerão, sim, mais tarde, as provas regenerativas de que se revelam carecedores, mas, por enquanto, são albergados por braços afetuosos de amigos, que se prontificam a sustentá-los, piedosamente, ou entregues a casais necessitados de filhinhos-problemas, a fim de ressarcirem dívidas do pretérito. A maioria dos implicados renasce no país em que se verificou o assombroso delito, e muitos deles, em vários pontos outros do mundo, ressurgem alentados por famílias hospiltaleiras ou famílias endividadas, que os aconchegam para a benemerência do reajuste. Certamente, - comentou o instrutor, ao término da película - certamente que nem todos os casos de malformação congênita podem ser debitados à influência da talidomida sobre a vida fetal. Em todos os tempos, consoante os princípios de causa e efeito, despontam crianças desfiguradas nos berços terrestres. O estudo, porém, que realizamos pela imagem, esclarece, com segurança, o fenômeno das ocorrências de má-formação, que repontaram em massa, entre os homens, nos últimos tempos. Achávamo-nos suficientemente elucidados; no entanto, meu velho amigo, Luis Villas, indagou:

- Isso quer dizer então, professor, que a talidomida foi aplicada, de acordo com a lei da reencarnação?
- Bem, bem - falou o mentor, retratando a benevolência no semblante calmo -, a talidomida e a provação funcionaram em obediência à justiça, mas não será lícito esquecer que o lar e a ciência vigilante dos homens também funcionaram em obediência à Misericórdia Divina, que a tudo previu, a fim de que a administração daquele medicamento não ultrapassasse os limites justos. Compreenderam?

Sim, recebêramos a chave para entender o assunto que envolvia dolorosa disciplina expiatória, e, à face da emoção que nos impunha silêncio, a lição foi encerrada.


“Reformador” de fevereiro de 1963


Os 70 anos da Noite dos Cristais

No dia 9 de novembro de 1938, agentes nazistas à paisana assassinaram 91 judeus, incendiaram 267 sinagogas, saquearam e destruíram lojas e empresas da comunidade e iniciaram o confinamento de 25 mil judeus em campos de concentração. A noite dos cristais quebrados marcou o início do Holocausto, que causou a morte de seis milhões de judeus na Europa até o final da II Guerra Mundial. A Noite dos Cristais (Kristallnacht ou Reichspogromnacht), de 9 para 10 de novembro de 1938, em toda a Alemanha e Áustria, foi marcada pela destruição de símbolos judaicos. Sinagogas, casas comerciais, casas de judeus foram invadidas e seus pertences destruídos.

Série de proibições aos judeus

Milhares foram torturados, mortos ou deportados para campos de concentração. A razão apresentada pelos nazistas para esta perseguição foi o assassinato do diplomata alemão Ernst von Rath, em Paris, pelo jovem Herschel Grynszpan, de 17 anos, dois dias antes. A perseguição nazista à comunidade judaica alemã já havia começado em abril de 1933, com a convocação aos cidadãos de boicotarem estabelecimentos judeus. Mais tarde, foram proibidos de freqüentar estabelecimentos públicos, inclusive hospitais. No outono europeu de 1935, a perseguição aos judeus, considerados "inimigos" dos alemães, atingiu outro ponto alto com a chamada "Legislação Racista de Nurembergue". Como o resto do mundo parecesse não levar o genocídio a sério, Hitler via confirmada sua política de limpeza étnica.

Trajetória para o holocausto já havia sido aberta

O anti-semitismo lentamente avançava sobre a sociedade. Uma lei de 15 de novembro de 1935 havia proibido os casamentos de judeus com alemães, as relações extraconjugais entre alemães e judeus, que alemães fizessem serviços domésticos para famílias judaicas e que um judeu hasteasse a bandeira nazista. Ainda em 1938, as crianças judaicas foram expulsas das escolas e foi decretada a expropriação compulsória de todas as lojas, indústrias e estabelecimentos comerciais dos judeus. Em 1º de janeiro de 1939, foi adicionado obrigatoriamente aos documentos de judeus o nome Israel para homens e Sarah para mulheres. A proporção da brutalidade da Noite dos Cristais havia superado as expectativas. O próprio Hermann Göring, chefe da SA (Tropa de Assalto), lamentou as grandes perdas materiais daquele 9 de novembro de 1938, para acrescentar: "Preferia que tivessem assassinado 200 judeus, em vez de destruir tantos objetos de valor!"

Doris Bulau - DW-WORLD.DE


História da Talidomida – do seu dramático passado ao seu futuro promissor


Em 1954, uma pequena companhia farmacêutica alemã, a Chemie Grünenthal, tinha como objectivo aumentar os seus lucros aproveitando o “boom” dos antibióticos que ocorr eu no pós-guerra.

Os investigadores da Grünenthal, ao tentarem encontrar técnicas simples e pouco dispendiosas para produzir novos antibióticos produziram a ftaloilisoglutamina, um composto derivado do ácido glutámico. Mas esta molécula que passou a ser denominada de talidomida, afinal não possuía as características antibacterianas desejadas. Nos testes realizados em animais, não demonstrou possuir nenhum efeito anti-tumoral ou sedativo; mostrava-se também atóxica, mesmo em doses muito elevadas. Herbert Keller, farmacologista da Grünenthal, levantou a hipótese de que mesmo não exibindo efeitos sedativos nos animais, a talidomida poderia funcionar no Homem, e ainda que também neste não funcionasse, como não revelou toxicidade, não poderia trazer prejuízos. Em ensaios clínicos, os investigadores da Grünenthal verificaram que a talidomida apresentava a capacidade de induzir um sono profundo nos indivíduos testados. Estes resultados foram estrondosos porque os fármacos sedativos eram um grande negócio na Europa no pós-guerra, mas tinham o inconveniente de serem tóxicos.

A talidomida foi introduzida no mercado no ano de 1956 com o nome comercial de Contergan®. Para além de um potente efeito sedativo e hipnótico, apresentava também características anti-eméticas, revelando através de experiências com animais uma toxicidade aguda muito baixa. Dadas as suas características farmacológicas, foi utilizado por mulheres grávidas no combate às insónias e ansiedade, e também no alívio dos enjoos matinais. A sua acção terapêutica permitiu que rapidamente fosse um êxito no mercado farmacêutico, atingindo grande popularidade particularmente na Europa e no Canadá, mas também na Ásia, Austrália, América e Africa, podendo ser encontrada com pelo menos 40 designações comerciais (Contergan®, Distaval®, Talimol®, Kevadon®, Nibrol®, Sedimide®, Quietoplex®, Neurosedyn®, entre outras).

O facto de se tratar de um Medicamento Não Sujeito a Receita Médica (MNSRM), terá contribuído para o seu êxito mas também para as consequências desastrosas decorrentes da sua utilização. Nos EUA, no entanto, a FDA (Food and Drug Administration) nunca chegou a autorizar a sua introdução no mercado, devido à ocorrência de alguns efeitos neurológicos raros - alguns doentes que tomavam este fármaco durante largos períodos de tempo, relatavam períodos de perda de sensibilidade nas mãos e nos pés. Ensaios experimentais feitos para investigar a causa destes efeitos mostraram-se inconclusivos quanto à sua origem.

Os primeiros relatos de crianças nascidas com malformações, que incluíam a ausência ou o encurtamento dos braços, pernas ou até mesmo de dedos, para além de malformações em órgãos internos, remontam ao fim da década de 50.

Em 1961, McBride e Lenz, ao trabalharem separadamente (o primeiro na Austrália e o segundo na Alemanha), investigando junto das mães cujos bebés nasciam com estas malformações, identificaram um elo de ligação entre a toma deste fármaco e o aparecimento destas malformações congénitas. Em Novembro de 1961 quando se provou o seu potencial teratogénico, a talidomida foi imediatamente retirada do mercado em vários países, continuando no entanto a ser comercializada em alguns países como Bélgica, Brasil, Canadá, Itália e Japão, por vários meses.

Dado o aumento do número de casos documentados nos quais as mães tomaram talidomida durante a gestação, foi possível identificar um conjunto de malformações atribuídas a este fármaco: ausência do pavilhão auricular e consequentemente surdez; imperfeições nos músculos do olho e da face; ausência ou hipoplasia dos braços, afectando sobretudo o rádio; dedo polegar com três articulações; deficiências no fémur e na tíbia; malformações no coração, nos intestinos, no útero, e na vesícula biliar.

Vários dados sugerem que o período de maior sensibilidade para uma exposição do feto à talidomida e a ocorrência deste conjunto de efeitos desastrosos ocorra entre o 34º e o 50º dia de gravidez.

Nesta altura, os procedimentos utilizados para testar um fármaco novo não eram tão exigentes como são actualmente e apesar de terem sido feitos vários ensaios com a talidomida, estes não revelaram o seu potencial teratogénico. Esta dificuldade terá sido causada por diferentes espécies animais não apresentarem o mesmo comportamento relativamente à acção da talidomida. Actualmente sabe-se que a teratogenicidade da talidomida não afecta os ratinhos, enquanto que os coelhos e os humanos são muito susceptíveis aos efeitos desastrosos deste fármaco.

Em todo o mundo aponta-se para que tenham nascido cerca de 10000 a 15000 crianças vitimas dos efeitos teratogénicos da talidomida, sendo que destas apenas cerca de 8000 crianças terão conseguido ultrapassar o primeiro ano de vida. Apesar de se apontar este número de vítimas, muitas mais terão sido, uma vez que muitos abortos ocorreram devido à toma deste fármaco mas, no entanto não ficaram assim documentados, e portanto nunca teremos conhecimento da verdadeira escala deste desastre.

Apesar de ter sido totalmente proibida devido aos seus efeitos teratogénicos, a talidomida reapareceu anos mais tarde como uma alternativa no tratamento de várias doenças do foro dermatológico. Em 1961, um dermatologista israelita chamado Sheskin, descobriu fortuitamente que a talidomida apresentava grande eficácia no tratamento do eritema nodoso leproso (ENL). Esta descoberta foi o ponto de partida para novos estudos sobre os efeitos da talidomida, sendo a sua administração para o tratamento do ENL aprovada pela FDA em 1968.

As suas características imunomoduladoras e a sua capacidade antiangiogénica despertaram o interesse da sua utilização no tratamento de doenças inflamatórias e auto-imunes, e na regressão de diversos tipos de cancro. A capacidade de impedir a formação de novos vasos sanguíneos, que travou o crescimento dos membros a milhares de crianças no Mundo, é actualmente utilizada para impedir a progressão de tumores malignos, sendo utilizada no combate de mielomas múltiplos. Outras aplicações possíveis são o tratamento de infecções graves, como as sofridas por portadores de HIV e síndrome de Behçet e, também na amenização da letargia e náusea dos pacientes submetidos a quimioterapia.

Actualmente este fármaco é comercializado pela Celgene com o nome comercial Thalomid®. Mas os seus desastrosos efeitos teratogénicos obrigam a que a sua administração esteja sujeita a um apertado sistema de controlo pela FDA e pela Celgene, através de um “Sistema para a Educação sobre a Talidomida e Segurança da sua Prescrição” (S.T.E.P.S. - System for thalidomide education and precribing safety). Apenas médicos registados no programa S.T.E.P.S. podem prescrever este fármaco.

Lúcia Teixeira e Luciane Ferreira – graduandas da Faculdade de Farmácia do Porto (PT), 2005

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