terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Capítulo 6 – As comprovações


18. O Papel da Mulher

Georgeana van Erven, era uma dos oito filhos do fazendeiro Antônio de Sampaio van Erven, casado com Maria Clara de Faria Salgado. Eram proprietários de catorze grandes fazendas, no estado do Rio de Janeiro. Segundo registros da família, anotados pelo descendente Domingos de Gusmão van Erven, com quem até hoje me correspondo, Antônio de Sampaio era homem de grande visão. Prevendo o fracasso da cafeicultura, voltou as vistas para a pecuária, que iniciava seus avanços. Nesta empreitada, contou com a colaboração do dr. José Teixeira Portugal, clínico de renome, que casara com a Georgeana. Tiveram duas filhas, Odete e Olga. Em 1922, Odete se casa com Faustino Monteiro Esposel, colega médico de seu pai. Ele deixa o endereço da rua São Clemente nº 393 e vai morar ali perto, no casarão da rua Martins Ferreira nº 23. Quando José Teixeira Portugal desencarna, em 1927, Antônio de Sampaio van Erven prosseguiu praticamente sozinho à frente das fazendas e das indústrias de leite e café, valendo-se, às vezes, da colaboração daquela filha.

Faustino Esposel (quem me narra é a Odete) não via com muito agrado a sogra nessa atividade, preferindo que algum irmão dela, como homem, assumisse os encargos. Ficava incomodado quando a Georgeana buscava, em casa, alguma ajuda das filhas Odete e Olga, embora de forma muito esporádica.

Em 1930, é o pai da Georgeana quem desencarna, O patrimônio passa aos sucessores e ela assume o papel de principal gestora dos negócios. Faustino Esposel já está bastante adoentado, tendo inclusive renunciado à presidência do Flamengo. Daí que a Odete, assistindo o marido, não tem mesmo muitas condições de ajudar a mãe. Mas também não o faz porque o Faustino, alinhado ao raciocínio da época, sempre fora avesso a que as mulheres trabalhassem fora de casa, e que deveriam dedicar-se tão somente às tarefas do lar. Até porque ele tem ótima situação financeira e não necessitava de maiores recursos.

Nesse particular, a Odete me confirmava sorridente que o Faustino não transigia; não queria que ela trabalhasse fora, mesmo em seu próprio negócio, preferindo que o acompanhasse nas programações sociais.

Ocorre que logo no final do ano seguinte o Faustino desencarna, em 1931. Georgeana, a mãe da Odete, prossegue à frente dos negócios, que irá ampliar-se, a partir de 1938, quando é iniciada a fabricação da afamada manteiga Van Erven, cuja razão social era Van Erven Portugal e Filhos. Ao mesmo tempo, Georgeana assume a presidência da Cooperativa de Cordeiro, para onde mandava doze mil litros de leite por mês. Em 1943, a Fazenda Santa Clara era a maior produtora de leite e de manteiga da região.

Bem, é com esse entendimento do papel da mulher – forte e generalizado naquela época – que Faustino Monteiro Esposel desencarna. É verdade que já não eram as décadas radicais de 20 e 30, mas, na década de 40 ainda existia muito preconceito, que só vai amainar com a explosão da II Grande Guerra, dada a imperiosa necessidade de mão de obra em substituição aos convocados para o front e de novas fontes de recursos para subsistência das famílias.

E, então, podemos também entender, agora, por que, ao ditar, em 1943, Nosso Lar, André Luiz/Faustino Esposel escreve, no capítulo 20:

A mulher não pode ir ao duelo com os homens, através de escritórios e gabinetes, onde se reserva atividade justa ao espírito masculino. Nossa colônia, porém, ensina que existem nobres serviços de extensão do lar, para as mulheres. A enfermagem, o ensino, a indústria do fio, a informação, os serviços de paciência, representam atividades assaz expressivas. O homem deve aprender a carrear para o ambiente doméstico a riqueza de suas experiências, e a mulher precisa conduzir a doçura do lar para os labores ásperos do homem. Dentro de casa, a inspiração; fora dela, a atividade. Uma não viverá sem a outra. Como sustentar-se o rio sem a fonte, e como espalhar-se a água da fonte sem o leito do rio?

Prossigo transcrevendo parte do capítulo em que abordo o assunto, em meu livro O Verdadeiro André Luiz, quando falo dos cortes ou alterações que eram sugeridos pela FEB para serem submetidos ao espírito, através do próprio Chico Xavier.

Em 1943 e 1944, quando Nosso Lar é psicografado e lançado, persistia – friso outra vez – a mentalidade de que mulher não deveria trabalhar fora do lar. O quadro que já podia ser observado, com as fábricas cheias de operárias, não significou de pronto qualquer mudança de conceito, sendo encarado apenas como emergencial. Era esse, pois, o entendimento de André Luiz. As lições do capítulo 20 são lindas e perfeitas na visão esférica dos papeis do homem e da mulher quanto à divisão de tarefas e à mais forte característica de cada sexo. Não podemos dizer que a colocação de André Luiz esteja errada, ao refletir o conceito firmado na sociedade. Faustino Esposel pensava no mesmo diapasão. No entanto, não seria uma colocação que valesse para sempre. Assim, a omissão dessa colocação (que, no fundo é mais um alerta do que uma recomendação determinativa) teria evitado a justa crítica dos leitores dos anos do pós-guerra, quando o papel da mulher efetivamente se ampliou de direito e de verdade, valorizando-se. Andaria bem a FEB se tivesse, mais uma vez, consultado André Luiz sobre a conveniência de ser cortado o pequeno trecho. Ou que a redação fosse aprimorada. Como nos demais casos, não tenho dúvida de que o espírito concordaria, a despeito do ranço de sua ideia pessoal. Salvo se desconheço que tenha havido mais essa consulta e que, de repente, André Luiz recomendou que o texto fosse mantido. Mas o Wantuil nunca me falou dessa recomendação.

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