sábado, 18 de dezembro de 2010

A Lei das Favelas - Revista Time

A foto da revista O Cruzeiro registra a prisão de Mauro Guerra (no centro), criminoso considerado de altíssima periculosidade nos anos 50. Enquanto vivo, Perpétuo visitou regularmente Mauro Guerra na Lemos de Brito. Passavam horas conversando. Perpétuo começou a levar revistas e depois livros. Mauro Guerra cumpriu a pena, arrumou emprego, casou, teve filhos e netos. Pelo que eu sei, é um simpático velhinho aposentado que mora em São Gonçalo.



As favelas do Rio de Janeiro são a parte mais problemática da cidade: bairros pobres que não param de crescer, cujo índice de crimes, por comparação, faz o Harlem parecer um local tranqüilo. Os aglomerados de barracos pintados em tom pastel têm nomes enganosos - “Morro dos Prazeres”, “Pavãozinho”, “Chácara do Céu” - e neles proliferam bandidos com apelidos como “Maremoto”, “Tião Medonho” e “Carne-Seca”.

Os policiais pouco podem fazer. Sempre patrulham em grupos e somente durante o dia. Exceto um. Nos últimos 25 anos, a lei das favelas, ou o que ainda existe de lei nelas, depende bastante de um detetive da cidade: Perpétuo de Freitas.

Para ganhar autoridade nos bairros pobres, Perpétuo precisava ser bom, inteligente - e ter muita sorte. Nunca perdeu tempo prendendo pés-de-chinelo, distribuía balas para a criançada, arranjou emprego para dezenas de ex-presidiários, pessoalmente enviava comida e roupas a mães convertidas em viúvas por assassinos que Perpétuo não conseguira prender em tempo.

Era capaz de sacar sua 45 mais rápido do que qualquer bandido e tinha mira tão certeira que fazia criminosos se entregarem apenas por saberem que Perpétuo estava atrás deles. Por tantas vezes, as balas não o acertaram que parecia que isso nunca aconteceria. Uma vez, subiu ileso um morro, em meio a uma saraivada de tiros, e desceu trazendo dois pistoleiros pelo colarinho. Em outra ocasião, conseguiu prender um pistoleiro que descarregara o revólver disparando contra ele à queima-roupa.

Por um erro.

Há três semanas, a sorte de Perpétuo do “corpo-fechado” teve fim. Seu trágico destino iniciou quando um assassino condenado, Manuel Moreira, o “Cara-de-Cavalo”, conseguiu liberdade condicional “por um erro” e, assim que saiu da prisão, matou a tiros um grande companheiro de Perpétuo.

Furioso com a negligência burocrática que prontamente dera liberdade a Cara-de-Cavalo, Perpétuo largou tudo e foi atrás do assassino. Embora o restante da força policial nada conseguisse descobrir, Perpétuo encontrou uma boa pista após dois dias.

Enquanto aguardava Cara-de-Cavalo aparecer em uma birosca na Favela do Esqueleto, surgiram dois policiais de outro distrito. Ciumentos da fama de Perpétuo, iniciaram uma discussão sobre quem tinha autoridade naquela região e começaram uma briga. De repente, um deles puxou a arma, enquanto o outro segurava por trás os braços de Perpétuo. Assim, sem ter como se defender, Perpétuo do corpo-fechado, 51 anos, foi assassinado a tiros por outro policial.

Seu funeral atraiu figurões e poderosos. Mas Perpétuo pertencia aos favelados e 5 mil deles apareceram para marchar na procissão e se aglomerar ao redor do caixão para um último olhar, ou toque, ou lágrima. Após o enterro, líderes da favela do Esqueleto se reuniram solenes com o objetivo de discutir a mudança de nome para favela Perpétuo. “Ele iria gostar”, era a explicação.

Revista Time - 25 de setembro de 1964 - citado no Blog do Freitas

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